sexta-feira, 3 de julho de 2015

Em busca de um mundo melhor

Relembrando Wilson Martins



Estado - O senhor foi o crítico que mais tempo resistiu ao combate, mais que Tristão de Athayde, Sérgio Buarque, Álvaro Lins, Sérgio Milliet. 


Wilson Martins - Tenho mais tempo do que qualquer um. Aliás, substituí o Sérgio Milliet porque ele andava enfadado de fazer crítica. Sou o mais antigo, que é uma maneira delicada de dizer "o mais velho". 

Estado - O senhor sentiu-se respeitado por outros críticos? 

Wilson Martins - Depende. O José Ramos Tinhorão de vez em quando me dava uma alfinetada, levei várias no penúltimo livro dele sobre a música no romance brasileiro. Duas páginas em seguida ele concordava comigo, ficou empatado. De outros críticos, como Sérgio Milliet e Antonio Cândido, fui amigo pessoal. Foi Álvaro Lins quem recomendou meu primeiro livro de crítica para a editora José Olympio. Sérgio Buarque eu só conhecia de vista. 

Estado - O senhor não se dava com a esquerda brasileira? 

Wilson Martins - Por temperamento, sempre me considerei eqüidistante tanto da esquerda como da direita. Mas àquela altura não ser de esquerda significava ser de direita, ninguém falava mais nele. Não era integralista, escapei por milagre de ser comunista, mas nenhum membro do Partido Comunista falava comigo. Como morava em Curitiba, consegui não me agregar a um grupo. Mas uma pessoa independente acaba malvista pelos dois lados. 

Estado - O senhor acha que só manteve essa Independência por ser do Paraná? 

Wilson Martins - Eu a teria mantido em qualquer lugar, não sou de me apaixonar nem por partidos nem por ídolos de futebol. Um amigo dizia que eu era frio, seco. 

Estado - O senhor concorda? 

Wilson Martins - Ao contrário. Sou emotivo e sorridente, mas essa condição de lobo da estepe me convém. 

Estado - É a única maneira de ser um crítico independente? 

Wilson Martins - É. A crítica é uma arte difícil, são poucos os que ficam na história literária. Fora disso, o crítico estará sempre agregado ou a uma corrente de pensamento ou a um grupo, o que vicia o julgamento. Não há nada mais fácil do que a crítica para aqueles que se acreditam críticos. 

Estado - A escritora francesa Marguerite Duras nunca reconheceu na crítica um livro que havia lido, e só se guiava pela opinião de amigos em quem confiava. 

Wilson Martins - Não é um crítico que forma opinião. É um conjunto de pontos de vista. Um crítico é usado por certa camada da população que tem os mesmos gostos, identidade e ideologia. Os que pertencem a um campo diferente não se reconhecem nele. Pessoas que se dizem guiar pela crítica oral estão cometendo um erro de perspectiva: porque os amigos leram as críticas. A crítica oral é poderosa e o que se acaba formando é a média de opinião. 

Estado - Qual o crítico, entre os mais novos, que o senhor respeita? 

Wilson Martins - Lastimo, e é feio o que vou dizer. Mas ela não existe. A crítica propriamente dita desapareceu, aqueles longos estudos de rodapé estão sepultados, suplementos culturais de hoje publicam resenhas, elegem milhares de gênios, um ou outro artigo mais sério a respeito de um autor, mas dentro da perspectiva do novo jornalismo, fundado nas imagens, nas fotos, nos desenhos e nos títulos. Quanto menos texto, melhor. 

Estado - Uma espécie de jornalismo videoclipe? 

Wilson Martins - Exatamente. Tanto que substituíram o título Suplemento Literário por Suplemento de Cultura. Querem tratar de tudo, da música popular, do teatro, das viagens. 

Estado - Quem o senhor considera um bom jornalista de opinão? 

Wilson Martins - Paulo Francis era. Certo, errado, mas com coragem, o que é uma grande qualidade, e um apaixonado por seus pontos de vista. Um pouco impulsivo, afirmava coisas que não tinha visto direito, mas assim mesmo incluo o Paulo Francis na galeria dos grandes jornalistas deste século. Fiz muitas críticas desfavoráveis sobre os romances dele e ele dizia que o único crítico que ele respeitava no Brasil era eu. 

Estado - O que o senhor considera um bom crítico? 

Wilson Martins - T.S. Elliot dizia que para ser crítico só há um método, ser muito inteligente. E quando diziam que os críticos erravam muito ele respondia: "Os escritores também." Crítico não se faz por formação, ser crítico é uma vocação. Espontânea, instintiva. Aposto no Miguel Sanches Neto. A formação hoje também se faz assim mas há uma grande diferença de qualidade. O ensino em geral decaiu muito e os professores universitários se encaminharam para as teorias literárias, não para a literatura. Em vez de explicar os livros, explicam teorias. Esses professores universitários escrevem longos ensaios achando que escrevem uma crítica. 

Estado - O que diferencia um ensaio de uma crítica? 

Wilson Martins - Você faz o ensaio depois que a crítica foi feita, crítico é aquele homem que lê o que acaba de sair e estica o pescoço para a guilhotina num primeiro julgamento. Reafirma verdades impopulares. Penso numa velha frase do Victor Hugo: "O crítico deve mostrar se o livro é bom ou ruim." Só o tempo vai mostrar se ele tem ou não razão. Jorge Luis Borges declarou que daqui a 50 anos, ao se falar nos escritores do século 20, serão mencionados nomes que ninguém ouviu falar. Enquanto a posteridade não vem, o crítico é visto com reserva. 

Estado - Haroldo de Campos diz que o senhor, em geral, é um homem equivocado. 

Wilson Martins - Ele diz que fiz cruzada contra o Paulo Leminski, e eu só escrevi de passagem sobre ele. Considero Leminski um poeta lido erradamente e supervalorizado. Mas a discordância com os irmãos Campos vem de longe. 

Estado - Está na raiz da discordância sobre a poesia concreta? 

Wilson Martins - Nunca fui entusiasta do concretismo, que transformou tanto a mansão da crítica brasileira a ponto de torná-la inabitável - não existe inventário puramente científico, como o do João Cabral de Mello Neto, sem lirismo e retórica não há poesia. Mas a partir dos meus comentário os irmãos Campos tornaram-se adversários de opinião, dizendo que escrevi uma história da inteligência sem ser muito inteligente. Minha modéstia me obriga a concordar. Darcy Ribeiro não dizia que A História da Inteligência é o livro mais burro que já se escreveu no Brasil? São insultos. Raciocinar por meio de insultos faz efeito mas não significa nada. 

Estado - Darcy tinha uma presença, os irmãos Campos são meio gurus, isso não lhe incomoda? 

Wilson Martins - A partir de certo momento o crítico passa a encarar tudo como jogo normal da vida literária. Os irmãos Campos dizem que eu ataquei Guimarães Rosa, mas o próprio Rosa declarou nos escritórios da José Olympio que eu e Antonio Cândido eramos os únicos críticos que aceitaria nos prefácios de seus livros. 

Estado - O senhor continua achando que foi Érico Veríssimo e não o Oswald de Andrade o grande escritor de vanguarda do Brasil? 

Wilson Martins - O Érico é o grande injustiçado desse período todo. Já naquela altura ele era considerado um burguês, um homem que não era de esquerda - ele, aliás, passou o resto da vida tentando mostrar que era de esquerda, o mais esquerdista de todos, ninguém aceitava. É um escritor esquecido. Agora, essas reações e fantasias são de pessoas com raiva da história, que querem varrer o Érico da história da literatura brasileira. 

Estado - Há figuras como Jorge Amado, dos escritores que mais vendem fora do País, e suas críticas não têm sido favoráveis. 

Wilson Martins - As pessoas emburram como se eu escrevesse ofensas pessoais e dizem que me contradigo quando gosto de um livro de um autor, e do seguinte, não. Não escrevo sobre autores, escrevo sobre livros. Na crítica séria não há autor, há somente o texto. Jorge Amado escreve há 60 anos, ao longo da vida publicou livros bons e livros menos bons. Elogiei os bons, mas não recuei quando o livro era ruim. Além disso, esteve durante uma grande parte da sua carreira "medusado" pelo realismo socialista que estragou boa parte do trabalho. 

Estado - O senhor disse o mesmo do João Ubaldo, "medusado por Amado". É um ataque ao populismo literário? 

Wilson Martins - Não, é um artigo isento que estuda o caráter das obras dele. Sempre me considerei um admirador da obra do João Ubaldo e o Jorge Amado, apesar de tudo, sempre conservou comigo uma espécie de camaradagem literária. Não é meu amigo, mas não passou para o insulto, salvo indiretamente, pequenas coisas que a gente ouve aqui e ali. Se ele escrever outro livro, vou julgar como se estivesse começando a carreira. 

Estado - Aliás, do Antônio Callado o senhor sempre preferiu os livros do começo de carreira. 

Wilson Martins - Quem descobriu o Antônio Callado fui eu. Fiz o primeiro artigo elogioso sobre o livro de estréia dele, Assunção de Salviano. Mas escrevi sobre todos, e considerei Quarup dos grandes romances do nosso tempo, mas não posso negar que Reflexos do Baile é uma obra inferior. 

Estado - Como o senhor se defende dos autores brasileiros depois de afirmar que o maior escritor vivo de língua portuguesa é José Saramago? 

Wilson Martins - Não me defendo. Para mim, ele é e continua sendo. Quando declarei isso, sabia que estava mexendo num vespeiro. 

Estado - Esse vespeiro está bem vivo. O senhor não devolve as ferroadas? 

Wilson Martins - Nunca devolvi. Quando acontece ser uma inverdade, esclareço, mas não posso esperar que todo mundo goste de mim. Todo mundo gosta dos críticos bonzinhos porque são anódinos. 

Estado - Jô Soares reclamou quando o senhor disse que, ao pretender fazer um romance policial, ele caiu no histórico em O Xangô de Baker Street. 

Wilson Martins - Ele não, mas criei um caso com essa história e outra com o romancinho daquele menino, filho do Sérgio Buarque. 

Estado - Chico Buarque. 

Wilson Martins - É um cantor popularíssimo, mas faz literatura de amador. 

Estado - O Chico reagiu? 

Wilson Martins - Ele não, mas o Caetano Veloso foi ao Fantástico na Globo dizer que meu artigo era uma porcaria. Não reconheço no Caetano autoridade nenhuma para julgar literatura, nem mesmo os meus artigos. 

Estado - O senhor vê a literatura do Paulo Coelho como amador? 

Wilson Martins - Paulo Coelho não é fenômeno literário. Do ponto de vista literário ele não é nada. Como fenômeno, ele é sociológico. Responde a um estado de espírito generalizado e faz sucesso no mundo inteiro. Pega parábolas bíblicas e reescreve seculares lendas árabes, cola aquilo tudo e faz o livro. Uma espécie de vidente. A injustiça é julgar isso como literatura. 

Estado - Paulo Coelho diz que os críticos só gostam do que não vende. 

Wilson Martins - Falsa impressão. Os críticos de certa categoria julgam os livros por meio de um escalão. Entendo que alguns desses livros se tornem complexos para quem só assiste à novela. A diferença é o nível intelectual. Quantos mais rádios e geladeiras temos, menos número de palavras empregamos. Caminhamos assim de volta para a floresta natal, carregados de apetrechos que nos facilitam pular de um galho a outro. 

Estado - Mas o senhor também criticou o Nélson Rodrigues, que era popular. 

Wilson Martins - Popularíssimo, ficou mais ainda depois da biografia do Ruy Castro que, na verdade, reinventou o Nélson, conferiu a ele uma estatura que ele não tinha e que sua obra, marcada pela psicanálise amadora, não justifica. É preciso esclarecer um dos grandes mal-entendidos deste século. O sucesso de Vestido de Noiva deve-se à montagem do Ziembinski. As peças do Nélson são provocativas, famílias com 15 adultérios, um caso a estudar acrescido da reconstrução que o livro do Ruy Castro executou. 

Estado - O senhor é contra biografias? 

Wilson Martins - Biografias são um fenômeno, mas por enquanto estão muito enevoadas, engolidas com muita facilidade pelos leitores brasileiros. Passamos a encarar o Nélson pelo olhar do Ruy Castro. É como o Sábato Magaldi, que está fazendo uma obra importante sobre o Nélson mas naquela base, tirando o que não presta. Aí, o que sobra é muito bom. O tipo do julgamento que eu não consigo compreender. 

Estado - Quais os bons livros do momento? 

Wilson Martins - O Brasil está sempre à espera de gênios e se esquece de que é a literatura média de boa qualidade que cria a atmosfera intelectual, o caldo de cultura de onde surgirá o grande crítico, o grande escritor. O Brasil louva em excesso, superestima autores. 

Estado - O senhor falou muito de escritores homens. A produção feminina não anda grande coisa? 

Wilson Martins - Tem Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector e a Maria Cristina Albuquerque. Em geral, não há uma grande produção feminina ou feminista, o que tem aparecido no Brasil é muito reivindicativo do tipo "faz anos que somos reprimidas". O que não deixa de ser verdade, mas o problema não é reclamar, é aparecer uma boa obra literária. Se isso acontecer, tanto faz que o autor seja homem, mulher, homossexual. 

Estado - Autor ou o personagem? 

Wilson Martins - Estão aparecendo livros e livros sobre personagens homossexuais, que assumiram coletivamente na vida e na obra uma atitude polêmica. Como se quisessem tornar o homossexualismo obrigatório. A verdade é que também nesse caso não apareceu a grande obra. O amor homossexual parece um mimetismo dos amores da literatura clássica. 


Entrevista a O Estado de São Paulo 

Bruno Tolentino, o poeta silenciado


Claudio Leal
A morte do poeta Bruno Tolentino (1941-2007), em junho, ganhou um tratamento protocolar da imprensa brasileira. A firmeza de sua poesia, cuidadosamente organizada em vida, esbarra agora nos ressentimentos criados por suas batalhas literárias. Depois do tempestuoso retorno ao Brasil, em 1993, quando travou polêmicas com os poetas concretistas, sentiu os espaços serem fechados. Era um maldito. Mas não havia insulto que não soubesse fundamentar.
Negada uma arena, transferiu o combate de professor aos auditórios de província. Há três anos, Tolentino veio morar em Salvador, onde pretendia fechar "um ciclo pessoal". Dizia isto com fumaças de enigmático. Em 1959, desembarcara na Bahia para assistir à montagem da peça Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, dirigida por Eros Martim Gonçalves, então diretor da vanguardista Escola de Teatro. Apaixonou-se por Anecy Rocha, irmã de Glauber, mas logo o espírito protestante da família Rocha o afastou de sua "camélia".
Naquele ano, foi convidado pelo reitor da Universidade da Bahia, Edgard Santos - ex-ministro da Educação de Getúlio Vargas -, a traduzir peças teatrais do inglês para o português. Espírito inquieto, abandonou Salvador e, em 1964, o próprio Brasil, seguindo vida intelectual pela Europa, de poeta reconhecido por W.H.Auden e Saint-John Perse. Nesse exílio voluntário, ergueu a maior parte de sua obra poética. A presença de Bruno em Salvador me parecia deslocada. Retomava o garoto de 1959? Era um refúgio, ele argumentava, à estagnação intelectual do Rio de Janeiro e de São Paulo. Na periferia, o debate podia renascer e lançar lavas sobre os centros econômicos. Alugou um flat, em Salvador, no bairro litorâneo de Ondina, e tratou de articular seminários no Instituto Feminino da Bahia.
Lá o conheci, em julho de 2004. Analisou a crítica de Machado de Assis à razão positivista, a perspectiva na pintura renascentista, a apostasia em Carlos Drummond de Andrade e Eugenio Montale. Inquietava-o a substituição do mundo-como-tal pelo mundo-como-idéia. Disparava: "Toda vez que o homem usou ideologias para melhorar o mundo, ele o tornou um pouco pior. O Holocausto nasceu de um conceito de melhoramento do mundo".
Um dia, apareceu com uma londrina capa de chuva. "Pensei que ia me atrasar. Nisto, Salvador se parece com Londres: mesmo quando nos atrasamos, dá para chegar no horário". Seu fluxo verbal era interminável, e tomava atalhos. Recordava-se, a todo instante, dos tios Octávio Tarquínio de Sousa e Lúcia Miguel Pereira, da elite intelectual do Rio. Octávio, biógrafo do Império; Lúcia, de Machado de Assis. Deles herdou o tom respeitoso para falar de "Dona Cecília (Meireles)" e "dr. Manuel (Bandeira)".
Se não se fazia entender, explicava pelo avesso, citando o poeta espanhol Antonio Machado: "La verdad es lo que es,/ y sigue siendo verdad/ aunque se piense al revés". Equilibrava uma xícara aristocrática. Sorvia o chá e ria. O tio Octávio preferia chá indiano. Bruno, naqueles dias, chá silvestre. E esgrimava: "São Paulo não produziu nada de culturalmente relevante nos últimos 500 anos. Nenhum grande poeta. Falam em Mário de Andrade... É o pior poeta brasileiro de todos os tempos! E Ribeiro Couto, coitadinho". Faíscas saíam da língua. "Que filósofo tem o Brasil além de Miguel Reale e Olavo de Carvalho?".
Trouxe a Salvador os romances seminais de Machado de Assis e se armou para um seminário que pretendia organizar sobre o Bruxo. Em menino, ouviu Graciliano Ramos levantar a voz aos tios: "Não admito que ninguém admire mais Machado do que eu!". Assimilou a solenidade do nome. Na década de 50, marcou, com o amigo José Guilherme Merquior, a leitura simultânea de Quincas Borba. Sentiram uma insegurança em torno da temática e correram ao poeta Ferreira Gullar. "Talvez seja um romance sobre a arte de escrever", ouviram.
Revejo as semelhanças de espírito: Machado e Bruno desacreditavam doutrinas, sem fugir da tradição. Curiosamente, ao expor seu plano de estudo, ele desprezou o último livro de Machado. Protestei: "Por que você não incluiu Memorial de Ayres? Há também uma construção romanesca". Ele torceu o nariz - "Porque o Memorial de Ayres, como o nome diz, é um memorial. São apenas anotações do conselheiro". Fiquei desapontado com a aparente intolerância, mas logo veria que ele não andava em mão única. Na semana seguinte, confessou-me: "Andei relendo o Memorial... Espantoso. Precisamos arranjar uma forma de incluí-lo!".
Compromisso adiado, pois sua rotina de viagens - era um Rimbaud a procurar um outro eu em toda parte - fez com que o acompanhasse à distância. Até que me caiu em mãos seu último livro A imitação do amanhecer, que concorre ao Prêmio Portugal Telecom. Meses depois, a notícia de sua morte. Bruno morreu silenciado - e, no entanto, um impulso exigia que falasse. Espero que sua poesia seja mais lida com o tempo, separada de sua personalidade solar. Na última vez que o vi, caminhava por Ondina. O velho passo célere. Algo lhe conferia tranqüilidade. "Naquela tarde um pássaro de garganta cortada/ afinal fez-me ver como a emoção separa/ e une tudo outra vez às vésperas do nada". Que poeta sumiu naquela rua.


Claudio Leal é jornalista.

A imitação da literatura - Por Olavo de Carvalho


O artigo de Wilson Martins sobre os “romancistas amadores” (O Globo, caderno Prosa & Verso, 10 de fevereiro) traz de volta uma distinção esquecida: a imitação da literatura não é literatura. A diferença é evidente: a literatura absorve, prolonga e busca superar a tradição universal da arte de escrever; a imitação da literatura, ignorando essa tradição copia os seus produtos mais em voga. É uma diferença de perspectiva histórica: em toda a autêntica obra literária está implícita, de certo modo, a evolução inteira da literatura. Na sua imitação, está embutido apenas o tecido das convenções e gostos contemporâneos, amputado do seu fundo histórico e tomado, abstratamente e no ar, como modelo supremo e final da imaginação humana. A literatura de imitação prende-nos na redoma de uma atualidade compressiva, separando-nos da humanidade que nos antecedeu.
Esta distinção é evidente, porém, somente a quem conheça a tradição literária, a quem, por um esforço de auto-educação, tenha se elevado a uma concepção historicamente fundada do universalmente humano. A quem esteja preso no círculo de ferro da atualidade, é invisível e inconcebível.
Mas a atualidade nos chama, cada vez mais, com o apelo potente do noticiário, do marketing, das modas que se sucedem com rapidez alucinante, ameaçando jogar para fora da comunicação cotidiano – e aprisionar num isolamento vagamente identificado com a marginalidade e a loucura – quem quer que se recuse a acompanhá-las. Atualizar-se, porém, não é somente se manter informado: é absorver novos pressupostos, que, embutidos na trama da linguagem, condicionam a possibilidade mesma da comunicação: os sentidos das palavras vão mudando em velocidade crescente, e com eles adquirimos novos sentimentos, novas reações, amoldando-nos, volens nolens, aos costumes do dia. Nossa comunicabilidade está na razão direta da nossa plasticidade, da nossa total ausência de princípios. Atualizar-se requer menos capacidade intelectual do que maciças doses de oportunismo, numa quantidade que só se pode fornecer à custa do sacrifício de outras aptidões, inclusive a de discernir o verdadeiro do falso, o bom do ruim e… a literatura da pseudoliteratura. E como a atualização vai exigindo cada vez mais dedicação integral, acaba por se tornar uma modalidade especial de educação, com seus catedráticos, seus pedagogos, suas normas, seus primeiros da classe e seus aprovados. É a educação jornalística, em oposição à velha educação humanística. Esta procurava dar ao homem uma visão do universal; aquela, inseri-lo no atual, ainda que à custa de privá-lo daquele recuo crítico ante o presente, que é condição prévia para se ascender a uma visão universal das coisas.

Ora, do ponto de vista da educação jornalística, a distinção entre literatura e pseudoliteratura, ou mesmo subliteratura, tende a se tornar cada vez mais irrelevante: um livro péssimo, pelos padrões da arte literária, pode ser muito mais significativo dos anseios da vida – das “aspirações do nosso tempo” – do que uma grande obra de arte. E, uma vez que a própria Constituição brasileira (Art. n. 216) definiu como patrimônio cultural o que quer que dê testemunho do que se passa neste país – fazendo abstração de quaisquer considerações de qualidade, estética, moral ou cognitiva –, a conclusão é que, graças a uma aliança entre poderes públicos, o mercado das comunicações e os profissionais da atualização, a vastidão do interesse momentâneo tende a se substituir, gradativa e inexoravelmente, a qualquer critério de valor universal, o literário incluso. Morto não fala, e a humanidade passada não é incluída nas sondagens de marketing.

Contribui para esse efeito o crescimento quantitativo da classe dos “produtores da cultura” – uma massa barulhenta que, cada vez mais, vai sendo formada no molde da cultura jornalística, desprovida de qualquer concepção mais universal, e imbuída da crença edificante de que sua missão precípua é ecoar – se possível vociferar – as sacrossantas “aspirações do nosso tempo”. Mas “nosso tempo”, por definição, não significa outra coisa senão o período em que uma aspiração continua em pauta nos debates do dia: é o tempo de duração das notícias. E quando a cultura, para ser notícia, tem de se reduzir a um eco das notícias, então a inteligência humana está sob a mais grave ameaça que já pesou sobre ela desde que a dispersão das cidades romanas isolou os homens em feudos distantes e mutuamente hostis.
Mais temível que o isolamento no espaço é a prisão no casulo do tempo: o primado da atualidade jornalística na criação da cultura é a consagração de um provincianismo temporal mais acachapante e embrutecedor do que qualquer provincianismo regional, por se camuflar nas pompas enganosas de uma falsa universalidade quantitativa, criada pelas redes de telecomunicação e informatização mundial. Pois a profusão dos dados à disposição do consumidor nem eleva sua inteligência nem amplia seu universo, desde que os valores pressupostos que enquadram a imagem do conjunto são sempre, em última análise, os da atualidade fechada em si mesma, que se torna despoticamente como padrão absoluto para o julgamento dos tempos e dos povos.
Não faltam teorizadores para dar uma legitimação “intelectual” ao estado de coisas. Dois neocretinos que filosofavam a revolta de maio de 68, Philippe Rivière e Laurent Danchin, propugnavam uma nova educação básica, em que a filosofia e a letras seriam substituídas por informática, marxismo e música pop. Idéias como essa penetraram mais fundo e estão mais vivas no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo: segundo o Prof. José Arthur Gianotti, a missão da arte é “fazer valer as vontades populares”. E segundo o próprio presidente da República, cultura é o mesmo que show business – um business altamente moral, sem dúvida, na medida em que condiciona seus lucros aos serviços que presta às “causas populares”. A medida – auto-atribuída, naturalmente – dos méritos adquiridos a serviço da causa pode avaliar-se pêra recente disputa de sambistas em torno das remunerações milionárias aos participantes do show de fim de ano da Prefeitura do Rio: no momento em que um sambista adquire o estatuto de glória nacional, acrescido da autoridade moral de defensor público do bem, para o qual toda remuneração é pouca e humilhante quando vem de fonte alheia à causa, quem é que tem força para expulsá-lo parahors de La littérature? Ante as “aspirações do nosso tempo”, literatura não é preciso; Chico Buarque é preciso. Pois se a arraia-miúda intelectual do show business assumiu quase que oficialmente as funções de pedagogia moral que outrora incumbiam aos religiosos, aos filósofos e aos homens de letras, é que a idéia mesma de cultura sofreu uma mutação da qual talvez não possa se restabelecer nunca mais: reduzida a uma síntese oportunística deshow business e agitprot, ela funde os prazeres do capitalismo aos lisonjeiros pretextos morais do socialismo, atendendo em toda a linha às “aspirações do nosso tempo”, entre as quais não se inclui aquela aspiração à universalidade dos valores espirituais, que está subentendida em toda grande literatura.

Deste modo, a distinção que Wilson Martins procura restaurar é válida e evidente para quem sabe do que ele está falando; mas a formação mental dos atuais “produtores de cultura” dirige-se exatamente a fazê-los se desinteressar cada vez mais por saber de que é que pessoas como Wilson Martins e o autor destas linhas estão falando. Para falar na linguagem deles: They don’t care about us. [10.2.1996]

Entrevistado pela TV Globo no dia 05 de maio de 1996, Caetano Veloso opôs ao diagnóstico de Wilson Martins a seguinte refutação: "Porcaria. Porcaria. Porcaria. Porcaria". Quod erat demonstrandum. Dou a mão à palmatória: nunca imaginei que Caetano fosse capaz de tamanho tour de force dialético. Se continuar evoluindo assim, ele logo estará limpando o bumbum sem ajuda da mamãe.




quinta-feira, 2 de julho de 2015

Esta montanya d' enfrente - Anónimo sefardí

Cristóbal de Morales - Cum natus esset Iesus

Cristobal de Morales - Circumdederunt me - Laudantes Consort

Strijps Kamerkoor Eindhoven - Cristóbal de Morales 'O sacrum convivium'

Cristóbal de Morales - Lectio II, Taedet animam meam (Lamentatio Jeremiae)

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Motete Jubilate Deo Omnis Terra a 6 - Cristóbal de Morales.

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