domingo, 15 de novembro de 2009

Não se pode esperar muito...

É preciso ter muita paciência para se conformar com os acontecimentos dessa última semana. Vi em poucos dias o empate da votação que decidirá pela extradição de Battisti no STF. O problema não é evidentemente o empate, mas o voto de minerva que será dado para que haja o desempate; voto de ninguém menos que Gilmar Mendes. Independentemente da greve de fome iniciada por Battisti, a extradição é dada como certa. A única pessoa que pode decidir pela não extradição é o presidente Lula, mas é de se esperar que ele não se contraponha ao Supremo, até mesmo por uma questão ‘democrática’ e pelo desgaste que isto acarretaria. Para completar o que já não estava bom, os EUA reconhecerão as eleições em Honduras. Aí é muito para um só fim de semana. Estou vendo a tensão entre Venezuela e Colômbia crescer, o Irã resistir às ameaças vindas de tudo quanto é parte, a China e os EUA se unirem em torno de acordos climáticos isolados do G20. Se alguém tiver alguma receitinha de calmante, me envie...

Tardou a acontecer

O Facebookicídio

Cinco razões para cair fora da rede social que “sucedeu” ao Orkut
Andres Vera


Quando o Orkut estourou como ferramenta de relacionamento social, muitos expuseram demais a privacidade e tardaram a notar os riscos. Acreditava-se que no Facebook, de certa forma “sucessor” do Orkut, os excessos seriam evitados. Engano. Seja por razões parecidas com as do Orkut, seja por outras específicas do Facebook, já existem na internet páginas inteiras dedicadas a orientar o “Facebookicídio”. ÉPOCA listou cinco bons motivos para apagar para sempre seu perfil.

1. As amizades indesejadas. Em abril, uma coluna de fofocas disse que o cantor Roberto Carlos queria ter 1 milhão de amigos no Facebook (uma alusão à letra do antigo sucesso “Eu quero apenas”). Hoje, ele tem perfis falsos até no Chile. Assim como no Orkut e no MySpace, quem coleciona centenas de nomes na lista de amizades no Facebook costuma não se lembrar de onde veio boa parte daquele álbum de figurinhas. Estranhos o importunam a todo instante pedindo “amizade”. “Todas essas ferramentas tecnológicas nos fazem perder tempo, se não tomarmos cuidado”, afirmou – logo quem – o cofundador da Microsoft, Bill Gates. Em julho, ele desistiu do Facebook porque notou “10 mil pessoas” disputando sua amizade virtual.

2. A invasão de privacidade. No Facebook, sua vida é bisbilhotada enquanto você descobre inutilidades sobre a vida do vizinho. Um tenente da Marinha americana contou ao jornal espanhol El País que, antes de se alistar, em 2008, mantinha uma vida agitada na rede social. Suas fotos, vídeos e mensagens deixavam claro: ele era gay. Para não ter problemas com os colegas de caserna, o militar gay passou a recusar os convites de amizade que vinham de militares. Isso pode ter protegido sua preferência sexual, mas muitos soldados passaram a considerá-lo esnobe.

3. O cutucão. Quem criou o Facebook deve ter achado graça numa ferramenta que consiste em “cutucar” os amigos. Para que os “amigos” não fiquem indiferentes, ela envia uma provocação. É a versão on-line do bullying – termo criado nos Estados Unidos para descrever intimidação e humilhação entre adolescentes. Em outubro, uma mulher foi presa nos EUA por “cutucar” outra pessoa no Facebook. Shannon Jackson, de 36 anos, violou uma ordem de proteção que a impedia de tentar qualquer comunicação com uma mulher que a havia denunciado por assédio virtual. Jackson foi condenada a um ano de prisão e a pagar uma multa de US$ 2.500. Ela cutucou a pessoa errada.

4. O rastreamento 24 horas. Com novas ferramentas para descobrir o gosto do usuário e vender publicidade, as redes sociais se transformaram no verdadeiro Big Brother do século XXI. Não são poucas as reclamações de quem se sentiu monitorado de perto pelo Facebook. Em agosto de 2008, uma ação coletiva acusou a rede social de violação de privacidade. O Facebook teria coletado informações pessoais de milhares de usuários e repassado os dados à empresa sem o consentimento desses usuários.

5. O risco de demissão. Quem entra no Facebook na tentativa de expandir seus contatos profissionais pode acabar demitido. Nos Estados Unidos, quase um terço das empresas usa o Facebook para descobrir se um candidato é apto ou não a uma vaga. Ninguém quer contratar um sujeito que exibe comportamento questionável nas fotos ou mensagens. Uma pesquisa da consultoria Proofpoint revelou que 8% das empresas americanas já despediram alguém pela divulgação de informações privadas comprometedoras pela internet. “Saí do Facebook ao conseguir uma boa lista de e-mails de profissionais de minha área”, diz o cineasta Gregório Graziosi, que mantinha no Facebook contatos com colegas de profissão no Brasil e no exterior. Há quem acredite que num futuro próximo as redes sociais se tornarão cemitérios de perfis abandonados. Antes de ser cutucado ou demitido, pondere a opção de deletar sua conta.
Disponível em:
Em se tratando do grupo Globo, é sempre bom ter cuidado com as informações, pois não nos esqueçamos do poder de comunicação que têm os sítios de relacionamentos; isto num período pré-eleitoral tem efeitos inimagináveis.

sábado, 7 de novembro de 2009

Diz muito...



O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, atribuiu as críticas que recebeu do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na última semana ao "ódio" do tucano em relação a seu governo. "Eu compreendo o ódio que isso causa. Um intelectual ficar assistindo um operário que só tem o 4º ano primário ganhar tudo o que ele imaginava que iria ganhar e não ganhou por incompetência é muito difícil", disse ele, interrompido por palmas e um coro de "Olê Olê Olê Olá Lula" de mais de 800 pessoas que assistiam à abertura do 12º Congresso do PCdoB, no Palácio das Convenções do Anhembi, na zona norte da capital paulista.

O petista revidou também o ataque do compositor Caetano Veloso, que chamou Lula de "analfabeto" em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. "Essa semana foi engraçada. Eu fui chamado de analfabeto, de ditador, por ter indicado a Dilma (Rousseff, ministra da Casa Civil) pelo 'dedaço' e ganhei o título de estadista do ano", discursou Lula, em referência ao prêmio Chatham House 2009, que recebeu em Londres por seu empenho nas relações internacionais na América Latina.

O presidente ironizou o fato de não ter a "sapiência dos sociólogos", em uma referência à formação de Fernando Henrique, e dissociou a inteligência do saber acadêmico. "Tem gente que acha que a inteligência está ligada à quantidade de anos de escolaridade que você teve. Não tem nada mais burro que isso. A universidade te dá conhecimento. Inteligência é outra coisa."

Para o petista, na política, vale mais a inteligência do que o conhecimento. "Muito mais", enfatizou. "A inteligência de saber formar uma equipe não está no livro. Está na sensibilidade. A inteligência de tomar decisões não está no livro. Está no caráter e no compromisso do dirigente."

Lula comparou Fernando Henrique a um jogador de futebol que fica no banco de reservas torcendo para que um titular se machuque para poder entrar em campo. "Fernando Henrique tinha certeza de que nós seríamos um fracasso e de que ele poderia voltar por conta do meu fracasso", disse. "É isso que magoa. Eu lamento. O mundo não deveria ser assim."

Apesar de mostrar-se incomodado com as críticas do ex-presidente tucano, Lula tentou contemporizar: "A vida é assim. A pessoa fala o que quer, ouve o que não quer. A vida é dura." Ele disse ainda não guardar rancor em relação aos ataques. "Não sou homem de carregar mágoas por mais de cinco minutos. O mandato não permite que a gente fique brigando por coisas secundárias."

Hitler

O presidente afirmou sentir "pena" dos tucanos por eles planejarem um programa de treinamento de cabos eleitorais no Nordeste do Brasil com vistas às eleições de 2010. "É um pouco o que o Hitler fazia, para que os alemães pegassem os judeus. Ou seja, vamos treinar gente para não permitir que eles sobrevivam", disse ele, em referência ao ditador nazista alemão, Adolf Hitler.

Para Lula, a estratégia do PSDB no Nordeste não vai funcionar. "Eles vão encontrar lá gente do PCdoB, PT, PDT, PSB, CUT (Central Única dos Trabalhadores) e todas as centrais, MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e movimento popular. Acho que vão se dar um pouco mal."

Eleições

Último a falar, após duas horas de discursos de parlamentares e ministros, Lula deu sequencia ao clima de palanque petista do evento. Possível candidata do PT à Presidência em 2010, Dilma foi saudada pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), como "futura presidenta do Brasil".

Em tom de conclamação, Lula alertou para o risco de retrocessos caso seja eleito no próximo ano um presidente que não Dilma. "Quem é prefeito ou governador sabe bem que um estranho no ninho pode desmontar em apenas dois anos tudo o que foi feito. E não venham dizer que o movimento popular não deixa por que é bobagem."

O pleito de 2010 será o primeiro em décadas do qual Lula não participará como candidato. "Tenho uma certa tristeza. Essa vai ser a primeira eleição para presidente da República em que meu nome não vai estar na cédula. Na minha cabeça vai ter um vazio", brincou. "Por isso, depois dele (Lula), (vem) a Dilma, para poder consagrar a continuidade de um projeto."
Disponível em:
Engraçado, a UOl não publicou o menor comentário do presidente Lula. No IG, o Regis Bonvicino já está metendo o pau em Caetano (http://ultimosegundo.ig.com.br/opiniao/regis%20bonvicino/2009/11/06/caetano+veloso+ataca+de+novo+9034962.html).
Quem mandou falar merda...

domingo, 18 de outubro de 2009

Não acusem os americanos...

EUA condenam ataque ao Irã e negam envolvimento
Dom, 18 Out, 11h47

WASHINGTON (Reuters) - Os Estados Unidos condenaram o ataque suicida que matou seis comandantes de alto escalão da Guarda Revolucionária iraniana e negaram envolvimento com o atentado.

PUBLICIDADE

"Condenamos esse ato de terrorismo e lamentamos a perda de vidas inocentes. As informações de suposto envolvimento dos Estados Unidos são completamente falsas", disse o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Ian Kelly em breve declaração.

Disponível em:

http://br.noticias.yahoo.com/s/reuters/091018/manchetes/manchetes_ira_eua_condenam

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sibelius

Poderia ser em qualquer catedral do Brasil, não fosse uma moda conhecida por "música gospel". É uma ignorância que custa caro às crianças do país...

domingo, 4 de outubro de 2009

Um último adeus a Mercedes...

Fecha-se um ciclo no momento em que um outro muito importante começa a se abrir aos povos latinoamericanos. Além de Mercedes Sosa, na música popular, a Argentina tem dois dos mais importantes nomes da música erudita no continente: Astor Piazzolla e Alberto Ginastera.
Que os anjos de Deus te recebam de braços abertos neste outro portal, Mercedes!!

A força do legado indígena e ibérico no México

José Pablo Moncayo: Cumbres 2/2

sábado, 19 de setembro de 2009

Liszt ( Hungarian rapsody nº 2)

Começam a minar as esperanças para Battisti...

Indicado por Lula para o STF, Toffoli tem condenação na Justiça do Amapá.


Publicada em 19/09/2009 às 00h03mBernardo Mello Franco

BRASÍLIA - Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) , o advogado-geral da União, José Antonio Toffoli ,

foi condenado semana passada a devolver, junto com outros réus, cerca de R$ 700 mil aos cofres públicos do Amapá. A sentença foi assinada no último dia 8 pelo juiz da 2ª Vara Cível e de Fazenda Pública de Macapá, Mario Cesar Kaskelis. Ele entendeu que o governo do estado beneficiou irregularmente Toffoli e seu escritório particular de advocacia num contrato assinado em 2000, na gestão do ex-governador João Capiberibe. Toffoli, que não exercia cargo público na época, já recorreu para tentar anular a pena.
Os repasses à empresa de Toffoli somaram R$ 420 mil em valores da época. Na sentença, o juiz escreveu que a quantia que deve ser devolvida já ultrapassa, com juros e correção monetária, a casa dos R$ 700 mil. Além de Toffoli e do escritório, foram condenados a ressarcir o tesouro do Amapá o advogado Luiz Maximiliano Leal Telesca Mota, sócio do escritório, o ex-governador João Capiberibe e o então procurador-geral do Amapá, João Batista Silva Plácido.
Apesar de haver no processo pedido da defesa para apresentação de provas para contestar as acusações, o juiz considerou que não havia necessidade de atender o pedido e antecipou a sentença semana passada.
Segundo juiz, advogado se beneficiou de licitação irregular
Na decisão, o juiz escreveu que Toffoli e o sócio se beneficiaram de uma licitação irregular e receberam indevidamente para representar o governo do Amapá nos tribunais superiores em Brasília, função que deveria ser exercida regularmente pela Procuradoria do Estado. De acordo com o magistrado, o caso configura "uma afronta ao princípio da moralidade administrativa": "Pelo exposto e tudo mais o que consta dos autos, demonstrada nos autos a existência do binômio ilegalidade e lesividade, além da afronta ao princípio da moralidade administrativa, com lesão aos cofres públicos".
O magistrado apontou indícios de irregularidade desde o início da licitação vencida pelo escritório de Toffoli: "Constata-se que todo o procedimento licitatório está eivado de nulidade, uma vez que não houve a participação da regular Comissão Permanente de Licitação, mas apenas e tão-somente de seu presidente, na pessoa do Dr. Jorge Anaice e do então procurador-geral do Estado, Dr. João Batista Silva Plácido, observando que não constam as assinaturas nos documentos licitatórios dos demais membros".
Toffoli diz que contratação não causou dano ao Amapá
Ainda de acordo com a condenação, Toffoli e seu escritório não poderiam ser contratados para exercer uma função própria de servidores públicos do estado. "A contratação de advogados pela administração pública, em substituição aos de seu próprio quadro, somente se justificaria em circunstâncias especiais, em que a contratação se fazia indispensável e inadiável. No caso, a atuação profissional (...) não se revestiu de natureza singular, nem considerados os serviços, em si, nem considerados os prestadores, de quem não se requeria notória especialização", escreveu o juiz.
Durante o processo, Toffoli alegou que a ação popular que deu origem ao processo era genérica e não apontava o dano ao estado do Amapá. Disse que a contratação do escritório tinha como objetivo a defesa de interesses públicos, em causas "de grande importância jurídica e financeira para o estado". Ele não foi localizado nesta sexta-feira à noite.






sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Os maiores acontecimentos e pensamentos são os que mais tardiamente são compreendidos"

A frase de Nietzsche talvez seja a melhor forma de sintetizar o momento pelo qual o Brasil está passando. Infelizmente, os brasileiros tardarão em reconhecer isto, digo, apenas as futuras gerações conseguirão se dar conta disso. Segue abaixo uma importante entrevista publicada pelo Valor Econômico, de 17 de setembro, com o presidente Lula.


"LULA PROPÕE UMA "CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS SOCIAIS"

Autor(es): Claudia Safatle, Maria Cristina Fernandes, Cristiano Romero e Raymundo Costa
Valor Econômico - 17/09/2009


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende mandar ao Congresso ainda neste ano um projeto de lei para consolidar as políticas sociais de seu governo. A ideia é amarrar no texto da lei uma "Consolidação das Leis Sociais", a exemplo do que, na década de 1940, Getúlio Vargas fez com a "Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)". O presidente disse em entrevista ao Valor, ontem pela manhã, que não vai pedir urgência para esse projeto. "É bom mesmo que ele seja discutido em ano eleitoral".



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende mandar ao Congresso ainda este ano um projeto de lei para consolidar as políticas sociais de seu governo. A ideia é amarrar no texto da lei uma "Consolidação das Leis Sociais", a exemplo do que, na década de 50, Getúlio Vargas fez com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Diz que, para este projeto, não vai pedir urgência. "É bom mesmo que seja discutido no ano eleitoral".



Faz parte dos planos do presidente também para este ano encaminhar ao Congresso um projeto de inclusão digital. "Será para integrar o país todinho com fibras óticas", adiantou.
Na primeira entrevista concedida após a grande crise global, Lula criticou as empresas que, por medo ou incertezas, se precipitaram tomando medidas desnecessárias e defendeu a ação do Estado. "Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre, porque alguns setores empresariais brasileiros pisaram no breque de forma desnecessária".



Ele explicou porque está insatisfeito especialmente com a Vale do Rio Doce, a quem tem pressionado a agregar valor à extração de minério, construir usinas siderúrgicas e fazer suas encomendas dentro do país, em vez de recorrer à importação, como tem feito. "A Vale não pode ficar se dando ao luxo de ficar exportando apenas minério de ferro", diz ele. Hoje, disse, os chineses já produzem 535 milhões de toneladas de aço por ano, enquanto o Brasil, o maior produtor de minério do mundo, produz apenas 35 milhões de toneladas. "Isso não faz nenhum sentido."



O presidente defendeu a expansão de gastos promovida por seu governo, alegando que o Estado forte ajudou o país a enfrentar a recente crise econômica. "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas funções de bem tratar a população."



Rechaçou a eventualidade do "risco Serra", aludido por algumas autoridades de seu governo face às veementes críticas do governador de São Paulo, José Serra (PSDB) à política monetária. "É uma cretinice política. É tão sério governar um país da magnitude do Brasil que ninguém que entre aqui vai se meter a fazer bobagem, vai ser bobo de mexer na estabilidade econômica e permitir que a inflação volte".



A falta de carisma da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, provável candidata à sua sucessão em 2010 não é , para ele, um obstáculo eleitoral. "Se dependesse de carisma, Fernando Henrique Cardoso não teria sido eleito e Serra não seria nem candidato. Jânio Quadros tinha carisma e ficou só seis meses". O principal ativo de Dilma, na opinião de Lula, é a "capacidade gerencial" da ministra. "E mulher tem que ser dura mesmo, para se impor entre os homens."
Lula contou que já desaconselhou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a se candidatar ao governo de Goiás. "Eu já disse pro Meirelles. Eu sinceramente acho que o Meirelles não devia pensar em ser candidato a governador, coisa nenhuma. Mas esse negócio tem um comichão..."



O risco de os esqueletos deixados por planos de estabilização de governos passados se transformarem em pesado fardo para o Tesouro Nacional preocupa o presidente. Segundo ele, se o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitar as ações contra bancos baseadas em supostos prejuízos causados por planos econômicos, uma conta que supera os R$ 100 bilhões, os bancos vão acionar judicialmente a União para bancar que ela banque essa despesa.



Na entrevista ao Valor, concedida na manhã de ontem em seu gabinete no Centro Cultural do Banco do Brasil, o presidente falou por uma hora e meia. Fumou cigarrilha na última meia hora da entrevista e não se recusou a falar de seu futuro político quando deixar a Presidência. "Gostaria de usar o que aprendi na Presidência para ajudar tanto a América Latina quanto a África a implementar políticas sociais, mas primeiro preciso saber se eles querem, porque de palpiteiro todo mundo está cansado". Sobre uma nova candidatura em 2014, o presidente foi direto: "Se Dilma for eleita, ela tem todo direito de chegar em 2014 e falar "eu quero a reeleição". Se isso não acontecer, obviamente a história política pode ter outro rumo".





Valor: Passado um ano da grande crise global, a economia brasileira começa a se recuperar. Além do pré-sal, qual a agenda do governo para o pós crise?





Luiz Inácio Lula da Silva: Ainda este ano vou apresentar uma proposta sobre inclusão digital. E, também, uma proposta consolidando todas as políticas sociais do governo.
Valor: Inclusive, o Bolsa Família, o salário mínimo?
Lula: Todas. Vai ter uma lei que vai legalizar tudo, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Será uma consolidação das políticas públicas para sustentar os avanços conquistados. Tudo o que foi feito, até as conferências nacionais, porque nós só temos legalizada a da saúde.



Valor: Mas o governo ainda não conseguiu sequer aprovar a política de valorização do salário mínimo?



Lula: A culpa não é minha. Mandei (para o Congresso) já faz um ano e meio. Sou de um tempo de dirigente sindical que, quando a gente falava de salário mínimo, as pessoas já falavam logo de inflação. Nós demos, desde que cheguei aqui, 67% de aumento real para o salário mínimo e ninguém mais fala de inflação. O projeto que nós mandamos é uma coisa bonita. É a reposição da inflação mais o aumento do PIB de dois anos atrás. Quero consolidar isso porque acho que o Brasil tem que mudar de patamar.



Valor: O senhor vai pedir urgência?



Lula: Não. É ótimo que dê debate no ano eleitoral. Quando eu voltar de viagem, vou ter uma reunião com todos os ministros da área social e vamos começar a trabalhar nisso.



Valor: E a inclusão digital?



Lula: Esta eu quero mandar também este ano. Será para integrar o país com fibras óticas. O Brasil precisa disso. Eu dei 45 dias de prazo, ontem, para que me apresentem o projeto de integração de todo o sistema ótico do Brasil.



Valor: O que mais será feito?



Lula: Uma proposta de um novo PAC para 2011-2015, que anunciarei em janeiro ou fevereiro. Porque precisamos colocar, no Orçamento de 2011, dinheiro para a Copa do Mundo, sobretudo na questão de mobilização urbana. E, se a gente ganhar a sede das Olimpíadas, já tem que ter uma coisa mais poderosa nisso.



Valor: Só para a parte que lhe cabe no pré-sal, o BNDES diz que vai precisar de uma capitalização de R$ 100 bilhões do Tesouro Nacional. O senhor já autorizou a operação?



Lula: Acabamos de dar R$ 100 bilhões ao BNDES e nem utilizamos ainda todo esse dinheiro. Para nós, o pré-sal começa ontem. Na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, pedi aos empresários que constituíssem um grupo de trabalho para que possamos ter dimensão do que vamos precisar nos próximos 15 anos entre infraestrutura, equipamentos para construção de sondas, plataformas, toda a cadeia. Não podemos deixar tudo para a última hora e isso vai exigir muito dinheiro. Esse problema do BNDES ainda não chegou aqui, mas posso garantir que não faltará dinheiro para o pré-sal.



Valor: O governo pensa numa política industrial para o pré-sal, voltada para as grandes empresas nacionais. Fala-se em ter empresas "campeãs nacionais". Isso vai renovar o parque industrial e as lideranças empresariais do país?



Lula: Certamente aumentará muito o setor empresarial brasileiro. Precisamos aproveitar o pré-sal e criar, também, um grande polo petroquímico. Não podemos ficar no sexto, sétimo lugar nesse setor. Pedi para o Luciano Coutinho (presidente do BNDES) coordenar um grupo de trabalho para que a gente possa anunciar em breve um plano de fomento à indústria petroquímica no Brasil. E pedi para os empresários brasileiros se prepararem para coisas maiores. Vamos precisar de mais estaleiros, diques secos, e isso tem que começar agora para estar pronto em três a quatro anos. Sobretudo, temos que convencer os empresários estrangeiros a investir no Brasil, construindo parcerias.



Valor: É por essa razão que o senhor está irritado com a Vale?



Lula: Não estou irritado com a Vale. Tenho cobrado sistematicamente da Vale a construção de usinas siderúrgicas no país. Todo mundo sabe o que a Vale representa para o Brasil. É uma empresa excepcional, mas não pode se dar ao luxo de exportar apenas minério de ferro. Os chineses já estão produzindo 535 milhões de toneladas de aço e nós continuamos com 35 milhões de toneladas. Daqui a pouco vamos ter que importar aço da China. Isso não faz nenhum sentido. Quando a gente vende minério de ferro, custa um tiquinho.



Valor: E não paga imposto porque o produto não é industrializado...



Lula: Não paga imposto. Tudo isso eu tenho discutido muito com a Vale porque eu a respeito. Quando ela contrata navios de 400 mil toneladas na China, é de se perguntar: ´e o esforço imenso que estou fazendo para recuperar a indústria naval brasileira?



Valor: Mas a Vale não é uma empresa privada?



Lula: Pode ser privada ou pública. O interesse do país está em primeiro lugar. As empresas privadas têm tantas obrigações com o país como eu tenho. Não é porque sou presidente que só eu tenho responsabilidade. Se quisermos construir uma indústria competitiva no mundo, vamos ter que fortalecer o país.



Valor: Os custos não são importantes?



Lula: Os empresários têm tanta obrigação de ser brasileiros e nacionalistas quanto eu! Estou fazendo uma discussão com a Vale, já fiz com outras empresas, porque quando queremos importar aço da China, os empresários brasileiros não querem. Mas quando eles aumentam seus preços, eu sou obrigado a reduzir a alíquota (de importação) para poder equilibrar. Eu sei a importância das empresas brasileiras, ninguém mais do que eu brigou neste país para elas virarem multinacionais. Porque, cada vez que uma empresa se torna uma multinacional, ela é uma bandeira do país fincada em outro país.



Valor: As empresas não importam porque lá fora é mais barato e tecnologicamente mais avançado?



Lula: Não sei se tecnologicamente é mais avançado. Pode ser mais barato. Quando começamos a discutir com a Petrobras a construção de plataformas, ela falava ´nós economizamos não sei quantos milhões´. Eu falava ´tudo bem, e os desempregados brasileiros? E o avanço tecnológico do país? E a possibilidade de fazemos plataformas aqui e exportar?´ Em vez de apenas importar, vamos convencer as empresas de fora que nós temos demanda e que elas venham construir no Brasil. Não estamos pedindo favor. Talvez o Brasil seja, daqui para a frente, o país a consumir mais implementos para a construção de sondas e plataformas.



Valor: O governo pensa em reduzir os custos de produção no Brasil?



Lula: Temos, no momento, uma crise econômica em que o custo financeiro subiu no mundo inteiro. Desde que entrei, e considerando a extinção da CPMF, foram mais de R$ 100 bilhões em desonerações. Eu já mandei duas reformas tributárias ao Congresso. As duas tiveram a concordância dos 27 governadores e dos empresários. Mas as propostas chegam no Senado e, como diria o Jânio Quadros, tem o ´inimigo oculto´ que não deixa que sejam aprovadas.



Valor: Como o senhor vê o papel do Estado pós crise?



Lula: O Estado não pode ser o gerenciador, o administrador. O Estado tem que ter apenas o papel de indutor e fiscalizador. Então, (o Estado) leva uma refinaria para o Ceará, um estaleiro para Pernambuco. Se dependesse da Petrobras, ela não gostaria de fazer refinarias.



Valor: Por que há ociosidade?



Lula: Na lógica da Petrobras, as suas refinarias já atendem a demanda. Há 20 anos a empresa não fazia uma nova refinaria. Agora, o que significa uma nova refinaria num Estado? A primeira coisa que vai ter é um polo petroquímico para aquela região. Este é o papel do governo. O governo não pode se omitir. A fragilidade dos governantes, hoje, é que eles acreditaram nos últimos dez anos que os mercados resolviam os problemas. E agora, quando chegou a crise, todos perceberam que, se os Estados não fizessem o que fizeram, a crise seria mais profunda. Se o Bush (George, ex-presidente dos Estados Unidos) tivesse a dimensão da crise e tivesse colocado US$ 60 bilhões no Lehman Brothers antes de ele quebrar, possivelmente não teríamos a crise de crédito que tivemos. Então, a Vale entra nessa minha lógica.



Valor: Depois da conversa com o senhor, a Vale vai construir as siderúrgicas?



Lula: Ela precisa agregar valor às suas exportações. Se ela exportar uma tonelada de bauxita, vai receber entre US$ 30 e US$ 50. Se for um tonelada de alumínio pronto, vai vender por US$ 3 mil. Além disso, vai gerar emprego aqui, vai ter que construir hidrelétrica para ter energia. Não pode ter só o interesse imediato pelo lucro porque a matéria prima um dia acaba e, antes de acabar, temos que ganhar dinheiro com isso. A Vale entende isso.



Valor: Então ela se comprometeu?



Lula: Basta ver a propaganda dela nos jornais. Faz três anos que venho conversando com a Vale. O Estado do Pará reclama o tempo inteiro, Minas Gerais e o Espírito Santo também. A siderúrgica do Ceará não foi proposta por mim. Foi proposta em 1992. Há condições de fazer? Há. Há mercado? Há. Temos tecnologia? Temos. Então, vamos fazer.



Valor: Entre reduzir a carga tributária, desonerando a folha de pagamentos das empresas, e aumentar o salário do funcionalismo, o senhor ficou com a segunda opção. Por quê?



Lula: Primeiro porque a desoneração é baseada no nervosismo econômico, no aperto de determinado segmento. O Estado tem que ter força. No Brasil, durante os anos 80, se criou a ideia de Estado mínimo. O Estado mínimo não vale para nada. O Estado tem que ter força para fazer as políticas que fizemos agora, na crise, com a compreensão do Congresso. Não pense que foi fácil tomar a decisão de fazer o Banco do Brasil (BB) comprar a Nossa Caixa em São Paulo.



Valor: Por quê?



Lula: As pessoas diziam: ´Ah, o presidente vai dar dinheiro ao Serra e o Serra é candidato´. Mas não dei dinheiro para o Serra. Comprei um banco que tinha caixa e para permitir que o BB tivesse mais capacidade de alavancar o crédito. Quando fui comprar (via BB) 50% do Banco Votorantim, tive que me lixar para a especulação. Nós precisávamos financiar o mercado de carro usado e o Banco do Brasil não tinha ´expertise´. Então, compramos 50% do Votorantim, que tem uma carteira de carro usado de R$ 90 bilhões. Vocês têm dimensão do que foi ter uma Caixa Econômica Federal, um BNDES ou um BB na crise? Foi extremamente importante. A Petrobras apresentou estudo mostrando que deveria adiar o cronograma dos investimentos dela de 2013 para 2017.



Valor: Durante a crise?



Lula: É. Convoquei o Conselho da Petrobras para dizer: ´Olha, este é um momento em que não se pode recuar´. Até no futebol a gente aprende que, quando se está ganhando de 1 x 0 e recua, a gente se ferra.



Valor: E funcionou?



Lula: Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre, porque alguns setores empresariais brasileiros pisaram no breque de forma desnecessária. Aquele famoso cavalo de pau que o (Antonio) Palocci (ex-ministro da Fazenda) dizia que a gente não podia dar na economia, alguns setores empresariais deram por puro medo, incerteza. Essas coisas nós conversamos muito com os empresários, no comitê acompanhamento da crise. Agora não vai ter mais comitê de crise, mas sim de produção, investimento e inovação tecnológica. Estou otimista porque este é o momento do Brasil.



Valor: Por exemplo?



Lula: As pessoas estão compreendendo que fazer com que o pobre seja menos pobre é bom para a economia. Ele vira consumidor. Eles vão para o shopping e compram coisas que até pouco tempo só a classe média tinha acesso. Os empresários brasileiros precisam se modernizar.


Valor: A política de valorização do funcionalismo dificilmente poderá ser mantida por seu sucessor e nenhum dos candidatos tem ascendência sobre o movimento sindical que o senhor tem. Não é uma bomba relógio que o senhor deixa armada para o próximo governo?



Lula: Vocês acham que o Estado brasileiro paga bem?



Valor: O senhor acha que ainda ganha mal?



Lula: Você tem que medir o valor de determinadas funções no mercado e dentro do governo. Sempre achei que o pessoal da Petrobras ganhava muito. O Rodolfo Landim, quando era presidente da BR, há uns quatro anos, ganhava R$ 26 mil. Ele entrou na minha sala e disse: ´Presidente, tive convite de um empresário, estou de coração partido, mas não posso perder a oportunidade da minha vida´. Então, ele deixa de ganhar R$ 26 mil por mês e vai ganhar R$ 200 mil com dois anos de pagamento adiantado. Quanto vale um bom funcionário da Receita Federal, do Banco Central, no mercado? O que garante as pessoas ficarem no Estado é a estabilidade, não o salário.



Valor: Mas essa política de valorização salarial do funcionalismo é sustentável?



Lula: Como é que a gente vai deixar de contratar professores? Vou passar à história como o presidente que mais fez universidades neste país. Ontem, completamos a 11ª (das quais, duas foram iniciativa do governo anterior). Ganhamos do Juscelino Kubitschek, que fez dez. Teve governo que não fez nenhuma. E ainda há três no Congresso para serem aprovadas.



Valor: O senhor considera que o Estado hoje está arrumado?



Lula: A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas funções de bem tratar a população. E ainda falta muito para chegar à perfeição.



Valor: O senhor foi vítima em 2002 do chamado "risco Lula". Hoje, já há quem fale em "risco Serra". Existe mais risco para o país com o Serra do que com a Dilma?



Lula: Nunca ouvi falar de ´risco Serra´ (risos). Posso falar de cátedra. Sofri com o ´risco Lula´ desde 1989. Em 1994, eu tinha 43% nas pesquisas em março e o que eles fizeram? Diminuíram o mandato para quatro anos e proibiram mostrar imagem externa no programa eleitoral. As pessoas pensam que esqueci isso. Quando chegaram as eleições para a prefeitura (em 1996), revogou-se a lei e todo mundo pôde mostrar imagens externas. Quando eles ganharam, aprovaram a reeleição. Então, essa coisa de ´risco Lula´ eu conheço bem.



Valor: É possível voltar a acorrer?



Lula: Espero que minha vitória e meu governo sirvam de lição para essas pessoas que ficam dizendo: ´o Lula era risco, agora o Serra é risco, a Dilma é risco, a Marina é risco, o Aécio é risco´. É uma cretinice política! Porque é tão sério governar um país da magnitude do Brasil que ninguém que entre aqui vai se meter a fazer bobagem. Quem fez bobagem não ficou. Todo mundo sabe da minha afinidade com os trabalhadores, da minha preferência pelos mais pobres. Entretanto, sou governante dos ricos também. E tenho certeza de que eles estão muito satisfeitos porque ganharam muito dinheiro no meu governo. Mais do que no governo ´deles´. Como pode um companheiro como a Dilma, o Serra, a Marina, todos que têm história, ficar sujeito a essa história de risco? E sabe por que não tem risco? Porque, se depois fizer bobagem, paga. Você pode ter visão diferente sobre as coisas, isso é normal. E agora mais ainda porque quem vier depois de mim.



Valor: Por quê?



Lula: Porque há um outro paradigma. Em cem anos a elite brasileira fez 140 escolas técnicas. Como é que esse torneiro mecânico faz 114? Estamos criando um paradigma. Fui ao Rio Maranguapinho (no Ceará) um dia desses. Estamos colocando lá R$ 390 milhões para fazer saneamento básico. Em Roraima são R$ 496 milhões para fazer saneamento e dragagem. Você sabe quanto o Brasil inteiro gastou em 2002 em saneamento?



Valor: Quanto?



Lula: R$ 262 milhões. Então, estamos colocando num bairro de Fortaleza o que foi colocado no Brasil inteiro naquele ano.



Valor: O senhor diria que pelo menos nos três fundamentos básicos da economia - superávit primário, câmbio flutuante e regime de metas - ninguém vai mexer porque foram testados na crise?



Lula: Para mim, inflação controlada é condição básica para o resto dar certo. Porque na hora que a inflação começar a crescer, os trabalhadores vão querer muito mais reajuste, os empresários também e a coisa desanda. Então, é manter a inflação controlada, a economia crescendo, permitir o crescimento do crédito. O Banco do Brasil sozinho hoje talvez tenha todo o crédito que o Brasil tinha em 2003.



Valor: Isso é bom ou ruim? Entre os anos 80 e 90, houve péssima gestão nos bancos estaduais, que acabaram quebrando...



Lula: Mas aí a culpa não é do banco. É irresponsabilidade da classe política. Os governantes transformaram os bancos públicos em caixa 2 de campanha. Emprestar dinheiro para amigo? Isso acabou. Não acho que ninguém que entre aqui vai ser bobo de mexer na estabilidade econômica e permitir que volte a inflação. Porque, se isso acontecer, o mandato é de apenas quatro anos.



Valor: A capacidade administrativa da ministra Dilma Rousseff, apesar do seu pouco carisma, e a confiança que o senhor tem em seu trabalho são suficientes para fazer dela uma candidata?



Lula: Quantos políticos têm carisma no Brasil? Se dependesse de carisma, Fernando Henrique Cardoso não teria sido presidente. Se dependesse de carisma, José Serra não poderia nem ser candidato. Carisma é uma coisa inata. Você pode aperfeiçoar ou não. Sempre é bom ter um pouco de carisma. O Jânio Quadros tinha carisma. Ficou só seis meses aqui. Estou dizendo que para governar este país é preciso um conjunto de qualidades. E a primeira qualidade é ganhar eleição. Tem que ter muita humildade, determinação do projeto que vai apresentar. Tem que provar que é capaz de gerenciar. Hoje, com sete anos de convivência, não conheço ninguém que tenha essa capacidade gerencial da Dilma. Às vezes as pessoas falam ´ela é dura´. Mas é que a mulher tem que ser mais dura mesmo.



Valor: Por quê?



Lula: Porque numa discussão política, para você se impor no meio de 30 ou 40 homens, é assim. A Dilma é muito competente. Feliz do país que vai ter uma disputa que pode ter Dilma, Serra, Marina, Heloísa Helena, Aécio. Houve no país um avanço qualitativo nas disputas eleitorais. O Fernando Henrique e eu já fomos um avanço extraordinário. Fico olhando e vejo que não tem um único candidato de direita. Isto é uma conquista extraordinária de um Brasil exuberante. É evidente que Serra tem discordância da Dilma e vice-versa, mas ninguém pode acusar um e outro de que não são democratas e não lutaram por este país.



Valor: Qual é a diferença entre eles?



Lula: Vai ter. Se for para fazer (um governo) igual não tem disputa. E, aí, o povo vai escolher por beleza... Não sei se serão só os dois. Mas são candidatos de qualidade.



Valor: Privatizar ou não privatizar pode ser a diferença?



Lula: Não.



Valor: Por que o senhor é contra a privatização?



Lula: Tudo aquilo que não é de interesse estratégico para o país pode ser privatizado. Agora, tudo o que é estratégico, o Estado pode fazer como fez com a Petrobras e o Banco do Brasil.



Valor: A Infraero é estratégica?



Lula: O Guido (Mantega, ministro da Fazenda) foi determinado a fazer um estudo sobre a Infraero, para ver se ela vira uma empresa de economia mista. O que nos interessa é que as coisas funcionem corretamente. Pedi ao Jobim (Nelson, ministro da Defesa) estudar o processo de concessão de um ou outro aeroporto para gente poder ter um termômetro, medir a qualidade de funcionamento. O que é estratégico no aeroporto é o controle do espaço aéreo e não ficar pegando passaporte de passageiros.


Valor: O senhor, então, não é contra a privatização por princípio?



Lula: Eu sou muito prático. Entre o meu princípio e o bom serviço prestado à população, fico com o bom serviço.



Valor: Quando o senhor falou dos candidatos, não mencionou Ciro Gomes.



Lula: O Ciro é um extraordinário candidato. De qualquer forma o PSB tem autonomia para lançar o Ciro candidato.



Valor: O senhor é o presidente mais popular da história do Brasil. No entanto, este Congresso é um dos mais desmoralizados. Por que o PT fracassou na condução do Congresso?



Lula: Você há de convir que a democracia no Brasil funciona com muito mais dinamismo que em qualquer outro lugar do mundo. O PT elegeu 81 deputados em 513 e 12 senadores em 81. A gente precisa dançar mais flamenco do que em qualquer país do mundo. Você vai ter que ter mais jogo de cintura. Exercitar a democracia é convencer as pessoas, é sempre mais difícil.



Valor: Por quê?



Lula: O Congresso é a única instituição julgada coletivamente. Se não teve sessão você fala: ´Deputado vagabundo que não trabalha´. Agora, nunca cita os que estiveram lá, de plantão, o tempo inteiro. Quando era constituinte, eu ficava doido porque ficava trabalhando até as duas, três horas da manhã. O Ulysses (Guimarães) ficava uma semana sem votar. Quando ele começava a votar, aquilo varava a noite. No dia seguinte, pegava o jornal, que dizia ´sessão não deu quórum porque os deputados não foram trabalhar´. Mas havia lá 200 em pé. Toda vez que vou a debates com estudantes, em inauguração de escolas, eu falo isso: ´Se vocês não gostam de política, acham que todo político é ladrão, que não presta, não renunciem à política. Entrem vocês na política porque, quem sabe, o perfeito que vocês querem está dentro de vocês´.



Valor: O senhor disse que o Brasil deve comemorar o fato de não ter candidatos de direita na eleição presidencial. Por que depois de tantas tentativas de aproximar PT e PSDB, isso não deu certo?



Lula: Porque na verdade nós somos os principais adversários.



Valor: Em São Paulo?



Lula: Em São Paulo e em outros lugares. Há uma disputa.



Valor: A aliança PT-PSDB é impossível?



Lula: Acho que agora é impossível.



Valor: Como o senhor avalia sua relação com a oposição, sobretudo no momento em que se discute o marco regulatório do pré-sal?



Lula: Essa oposição teve menos canal com o governo. Certamente o DEM e o PSDB pouco tiveram o que construir com o governo. Possivelmente quando eles eram governo, o PT também construiu poucas possibilidades. O projeto do pré-sal tal, como ele foi mandado, não é uma coisa minha. O trabalho que fizemos foi, sem falsa modéstia, digno de respeito, tanto é que o Serra concorda com o modelo. O Congresso tem liberdade para mudar.



Valor: A oposição diz que o governo pediu urgência para usar o projeto de forma eleitoreira. A urgência era exatamente por quê?



Lula: Porque precisamos aprovar o mais rápido possível para dizer ao mundo o que está aprovado e começar a trabalhar. Acho engraçado a oposição dizer isso. A oposição votou em seis meses cinco emendas constitucionais no governo Fernando Henrique Cardoso.



Valor: O senhor volta com o pedido de urgência, se for o caso?



Lula: Depende. Atendi ao pedido do presidente da Câmara, Michel Temer. Vamos votar no dia 10 de novembro. Isso me garante. Termino o mandato daqui a um ano. Serei ex-presidente, nem vento bate nas costas. Não é para mim que estou fazendo o pré-sal. O pré-sal é para o país.



Valor: O que o senhor pretende fazer depois que deixar o governo?



Lula: Não sei. A única coisa que tenho convicção é que não vou importunar quem for eleito.



Valor: Todo mundo tem medo que o senhor volte em 2014...



Lula: Medo? Acho que deveria ter alegria, se eu voltasse. Na política a gente tem de ter sempre o bom senso. Vamos supor que a Dilma seja eleita presidente da República...



Valor: E se ela perder a eleição? O senhor vai se sentir pressionado pelo PT a disputar em 2014?



Lula: Vou trabalhar para o povo votar favoravelmente, mas, se votar contra, vou ter o mesmo respeito que tenho pelo povo. Se ela for eleita, tem todo o direito de chegar a 2014 e falar ´eu quero a reeleição´.



Valor: E se ela não for eleita?



Lula: Não trabalho com essa hipótese, mas obviamente que, se não acontecer o que eu penso que deve acontecer, a história política pode ter outro rumo.



Valor: Parece que está consolidada a percepção de que o país terá câmbio apreciado por um bom tempo. O senhor teme uma desindustrialização?



Lula: O nosso objetivo é industrializar o máximo possível. O Palocci disse uma frase que é simples e antológica: ´o problema do câmbio flutuante é que ele flutua´. Obviamente que nós já estamos discutindo isso. Trabalhamos com a hipótese de que vai entrar muito dólar no Brasil. Precisamos trabalhar isso com carinho. Em contrapartida, também estamos avançando na questão de fazer trocas comerciais nas moedas dos países. Não preciso do dólar para fazer comércio com a China, a Índia, a Rússia. Podemos fazer comércio com nossas moedas e com as garantias dos bancos centrais. Esta é uma coisa nova que já começamos a discutir. Na última reunião dos Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China), foi constituído um grupo de trabalho para pensar sobre isso. Não é possível você tratar da economia com teoricismo, de que você acha que hoje pode tomar uma decisão para evitar que alguma coisa aconteça daqui a dez anos. Esta crise econômica mundial mostrou isso. Hoje é unanimidade mundial que o Brasil é o país mais preparado para enfrentar isso. Nunca tivemos nenhum plano econômico. Cada vez que tinha uma crise vinha um e apresentava um plano. Quebrava. Os bancos hoje estão sendo processados no Supremo Tribunal Federal (STF) por uma dívida de mais de R$ 150 bilhões, por causa dos planos Bresser e Verão.



Valor: Os bancos pediram ajuda ao governo?



Lula: Não é que o governo vai ajudar. O governo é o responsável. O governo fez a lei. Eles cumpriram a lei. Se eles perderem no STF, sabe o que vai acontecer?



Valor: A conta vai para o Tesouro.



Lula: Eles vão acionar a União. Obviamente que é isso. E quem fez os planos está dando palpites nas economias. Este é o dado. Também peço a Deus que eu não deixe nenhum esqueleto para meus sucessores. Por isso, estou mais tranquilo para tomar as decisões, mais meticuloso, para fazer as coisas. Eu fico imaginado, quando eu não estiver mais aqui dentro, o que é que um ex-presidente pode esperar do país. Que um venha e faça mais do que ele. Porque isso é o que vai fazer o país ir para a frente. Somente uma figura medíocre é capaz de torcer para o cara não dar certo. Porque, quando não dá certo, eu não vi nenhum político ter prejuízo. Ele pode perder a eleição, mas não tem prejuízo. Agora, o povo pobre é que paga a conta, se a política não der certo.





Valor: Qual vai ser o discurso da sua candidata?





Lula: Vamos deixar a candidata construir. Mas eu acho o seguinte: o que eram as campanhas passadas? Quem vai controlar a inflação, o salário mínimo de US$ 100, não era isso? Isso acabou. Não se fala mais em FMI, não se fala mais em salário mínimo de US$ 100, não se fala mais em inflação.





Valor: Mas no FMI o senhor vai falar?





Lula: Vou falar porque agora somos credores do FMI.





Valor: A França se tornou nosso parceiro prioritário em detrimento dos EUA?





Lula: Não sei porque não pensaram nisso antes. A França é o único país europeu que faz fronteira com o Brasil. São 700 quilômetros de fronteira. Isso é uma vantagem comparativa da relação com a França. Nós sempre teremos uma excelente relação com o EUA. Sempre teremos uma belíssima relação com a Europa. Mas isso não atrapalha que nós tenhamos relações bilaterais estratégicas com outros países. Acho que os Estados Unidos precisam ter um olhar para a América Latina mais produtivo, mais desenvolvimentista.





Valor: O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vai sair para se candidatar ao governo de Goiás?





Lula: Sinceramente, o Meirelles não devia pensar em ser candidato a governador, coisa nenhuma. É que esse negócio (fazer política) tem um comichão...






Original disponível em:








quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Eleições 2010

No dia em que o governo anuncia a geração de 242 mil novos postos de trabalho em agosto, a UOL, G1, Estadão e o IG - quem diria -, põem em destaque notícias sobre a bolsa de valores e poupança. No atual ritmo, não será nenhuma novidade se a imprensa vier a propagandear a campanha de Marina Silva e menos ainda se José Serra vier a se eleger...








domingo, 23 de agosto de 2009

sábado, 22 de agosto de 2009

Parece que me enganei...

A queda do presidente de Honduras, as pressões que Rafael Correa vem sofrendo no Equador e, por último, o acordo militar entre Estados Unidos e Colômbia, têm dado uma boa demonstração de que em política aparência e realidade são duas faces pouco dissociáveis de uma mesma moeda. No ritmo em que as coisas estão andando, há um sério risco de que a contribuição do governo Obama seja tão prejudicial à Região Sul quanto aquela do seu antecessor, George W. Bush. Uma matéria publicada hoje pela Uol (integrante daquele grupo criticado pelo Dines, abaixo), mostra nas entrelinhas as preocupações do presidente do Brasil. A frustração de Lula parece indicar que o princípio de sintonia entre EUA e América do Sul começou a ser rompido. Confiram matéria a partir do link:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u613463.shtml

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Imprensa em Questão

ANJ, 30 ANOS

Para celebrar é preciso contar a verdade

Por Alberto Dines em 18/8/2009

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) comemorou na segunda-feira (17/8) o seu 30º aniversário. Jornalões e jornaizinhos abriram os seus champanhes e espumantes numa festa nacional, já que a entidade congrega 140 veículos, cerca de 90% da circulação dos diários editados no país (dados fornecidos pela presidente da associação, Judith Brito, em O Globo, 17/8, pág. 7).
Há sindicatos patronais mais antigos e até economicamente mais poderosos. Poucos, porém, conseguem obter a visibilidade da ANJ. Por óbvias razões: além da função legítima de lobby empresarial, a entidade funciona como um gigantesco pool em que o compartilhamento ocorre num nível acima do mero intercâmbio de informações jornalísticas.
A ANJ é um fascinante caso de estudo na esfera da ciência política, mas poucos acadêmicos se aventurariam a cometer um haraquiri profissional e condenar-se a um prematuro ostracismo. O livro A Força dos Jornais: os 30 anos da Associação Nacional de Jornais no processo de redemocratização brasileiro, de autoria da presidente da entidade em parceria com Ricardo Pedreira, ainda não está disponível nas livrarias, nem foi enviado às colunas e órgãos especializados. Não apenas este observador, mas certamente uma legião de cidadãos teria o maior interesse em examinar a trajetória desta instituição.
Greve fracassada
Por ora, somos obrigados a nos contentar com a mais completa matéria sobre a efeméride publicada no Estado de S.Paulo (domingo, 16/9, pág. A-10) e o material dado na Folha de S.Paulo (para assinantes), na terça-feira (18). A reportagem do Estadão merece calorosa saudação porque a cronologia da imprensa brasileira começa com os registros ao precursor do nosso jornalismo – o Correio Braziliense – e ao patriarca da nossa imprensa, Hipólito da Costa. Como sabem os leitores, espectadores e ouvintes dos Observatórios da Imprensa, estes comezinhos registros deveriam ter sido consignados há mais de um ano (maio-setembro de 2008), quando foram comemorados os 200 anos da fundação da imprensa brasileira. Aliás, não houve comemoração. A efeméride foi rigorosamente banida e ignorada pela ANJ.
A reabilitação do maçom Hipólito da Costa e do mensário que solitariamente editou ao longo de 14 anos no exílio londrino é o maior presente que a ANJ ofereceu à sociedade brasileira no seu natalício. Soa como uma reconciliação dos nossos jornais com a história do país. Tardia, porém certamente definitiva.
Os louvores ficam por aí. No que tange à própria crônica da ANJ, os erros são gritantes. O principal deles: a ANJ não foi criada em 17 de Agosto de 1979 para defender a liberdade de imprensa, como informa o título da matéria do Estadão. A associação foi criada como uma resposta direta à greve dos jornalistas de São Paulo, decidida pouco antes (17 de maio de 1979), efetivada dias depois (23/5) e, finalmente, encerrada após um rotundo fracasso (29/5). Quem reconheceu este fracasso com a autoridade de um dos mais bem sucedidos líderes sindicais brasileiros foi o ex-metalúrgico e já então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. [Um relato das lembranças de Lula sobre a greve de 1979 pode ser lido no final do artigo "Elas", de Luiz Garcia, reproduzido neste OI (rolar a página) e no texto "A boa nova não foi notícia", deste observador).
Sem diálogo
A reação dos empresários foi natural e legítima dentro da jurássica lógica da luta de classes. Ilegítima porque inverídica é esta versão tardia e mal-costurada de que as negociações para a criação da ANJ começaram um ano antes da sua criação.
O patronato jornalístico do Rio e de São Paulo jamais conseguiu materializar uma entidade. O Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais do Rio de Janeiro era uma ficção. Seu habilidoso presidente, Antônio de Pádua Chagas Freitas, responsável pela transformação de O Dia numa grande empresa jornalística, deputado pelo antigo MDB (e padrinho do atual deputado Miro Teixeira), era informalmente presidente vitalício porque só ele conseguia comunicar-se simultaneamente com os arqui-rivais Manoel Francisco do Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e Roberto Marinho (O Globo).
Em São Paulo não havia comunicação direta entre os principais acionistas dos ferrenhos concorrentes Folha e Estado. Os Mesquita não falavam com Octavio Frias de Oliveira, a comunicação entre as duas empresas dava-se por intermédio do relacionamento do sócio minoritário Carlos Caldeira Filho com o superintendente do Grupo Estado, José Maria Homem de Montes.
Operação inteligente
Apesar de fracassada, a greve dos jornalistas assustou o empresariado. Bem intencionada, a reportagem do Estadão atribui ao jovem jornalista Cláudio Chagas Freitas a idéia de reunir as empresas na mesma mesa ou debaixo do mesmo teto. O filho de Chagas Freitas era um jornalista dinâmico, entusiasmado, mas as suas preocupações concentravam-se principalmente no âmbito do jornalismo esportivo.
É justo que a ANJ queira homenagear o pai, o ex-deputado Chagas Freitas (mentor espiritual da ANJ), mas não deveria fazê-lo às custas da verdade histórica. Sobretudo porque Chagas Freitas senior, arrasado com a prematura morte do filho, acabou entregando sua próspera empresa a Ary de Carvalho numa exótica operação, anos depois legitimada pela ANJ.
A criação da ANJ foi uma operação extremamente inteligente em matéria corporativa e permitiu a entrada em cena da segunda geração de empresários (no caso do Estadão, a quarta). Os herdeiros das grandes empresas jornalísticas não se conheciam e souberam superar as idiossincrasias que confrontaram os seus pais. Discutível é o uso que mais tarde fizeram desta aproximação.
Compromisso jornalístico
A ANJ foi criada para evitar novas greves de jornalistas, esta é a verdade. Suas primeiras ações não visavam à preservação da liberdade de expressão, que naquela época era uma remota aspiração. Sua iniciativa política mais consistente e estridente foi o início da cruzada contra a obrigatoriedade do diploma específico, em 1985, depois da eleição de Tancredo Neves e do seu vice, José Sarney, quando se evidenciou a necessidade de uma nova Constituição.
O festejo empresarial é justo e deveria ser compartilhado por todos os segmentos da atividade jornalística. Já houve tempo em que a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), então presidida por Américo Antunes, e a ANJ, presidida por Jaime Sirotsky, participaram de eventos comuns, sem qualquer constrangimento, defendendo com dignidade posições opostas.
Em 1992, em Brasília, ANJ e Fenaj organizaram um seminário denominado "O Papel do Jornal" (titulo do livro deste observador, publicado 18 anos antes). Dois anos depois (1994), as duas entidades voltaram a encontrar-se em outro evento, o seminário fundador do Labjor, presidido pelo então reitor da Unicamp, Carlos Vogt, denominado "A Imprensa em Questão" (no Labjor incubou-se mais tarde o projeto deste Observatório da Imprensa). Além dessas, houve outras situações de convivência civilizada e profícua.
Esta convivência hoje é uma quimera. O "aprimoramento da indústria jornalística" levou a ANJ a assumir posições extremas, A entidade não patrocinou a brutal ação levada ao STF que resultou na extinção da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo e, na prática, liquidou no Brasil a milenar profissão de jornalista. Preferiu delegar o trabalhinho sujo a um sindicato patronal sem veleidades políticas, porém capitalizou a esmagadora vitória da argumentação – no mínimo apressada, diga-se – feita pelo ministro-relator, Gilmar Mendes.
Na matéria sobre a ANJ publicada no Estadão, a extinção da Lei de Imprensa é considerada como um triunfo da ANJ. Mas uma parte substancial dos seus associados está incomodada com o vazio legal resultante do fim deste estatuto. A questão do diploma não foi incluída no rol de vitórias da ANJ. A festejada entidade preferiu não assumir o tresloucado ato. Bom sinal.
Sinal mais auspicioso seria adotar plenamente o compromisso jornalístico de contar a verdade. Depois disso, tudo é possível.

Leia também
A greve dos jornalistas – Luis Nassif (rolar a página)

domingo, 26 de julho de 2009

Realmente divino



25/07/2009 - 15:00

O pequeno Mozart
Por Abelha
Nassif

Todos aqui no blog sabem de seu “encatamento” pelas crianças. Fala dos pequenos quase sempre como se tivesse sido hipnotizado por eles, sejam suas filhas e neta, seja qualquer criança.

Por isso vou falar de um menininho fantástico pra vc. E garanto que vai se apaixonar por ele!

Esta semana estava assistindo a um documentário no National Geographic e me deparei com este adorável garotinho americano de origem chinesa, MARC YU.

Filho de mãe solteira e criado com muito sacrifício por ela até ser descoberto como um dos maiores gênios mirins da atualidade.

Aos 2 anos Marc ouviu uma canção numa festa. Pouco depois, sentou-se ao piano e executou a música sem nenhum erro! Um ano depois, já tocava Beethoven.

O menino toca cello, violino e piano com maestria. Mas sua paixão e amor é pelo piano.

Hoje é capaz de tocar mais de 70 clássicos sem olhar a partitura. Seu talento e sucesso permitiram que ele fizesse um dueto com seu grande ídolo, o pianista chinês Lang Lang, de quem ganhou o apelido de “pequeno Mozart”. Para reforçar o talento, Marc pratica até oito horas de piano por dia. E adora!

Seu ouvido é tão afiado que reconhece qualquer nota musical como se identificasse cores. Segundo especialista isto é raríssimo em crianças de 7 anos!

Depois de ser descoberto a vida melhorou, a mãe recebe de entidades para cuidar do menino em casa, já que ele não frequenta escola comum, pois seus estudos equivalem a garotos de 15 anos (estava com 7 para 8 anos na época do documentário, hoje tem 10) e era motivo de chacota por ser genial em qualquer matéria.

O documentário também mostra a alegria do garoto quando descobre que já pode alcançar a oitava, pois os dedinhos cresceram o suficiente. É qdo a gente vê que ele realmente ama a música…

O menino é um fofo! Simpático, brincalhão, bem articulado e contador de piadas, já participou de vários programas de TV nos Estados Unidos, como o da Oprah.

Fico imaginando quantos gênios mirins devem existir no Brasil, cujo potencial nunca será descoberto por falta de atenção dos pais ou pelas deficiências inerentes de nossas escolas.

Ao mesmo tempo não sei até que ponto essa super exposição sobre sua genialidade poderá prejudicá-lo. Fica aberto à discussão para os especialistas do blog.

Lembrando que nosso genial Nelson Freire também começou a tocar aos 3 anos. Foi um garoto prodígio na época, parecia em jornais e revistas, ganhou viagens ao exterior.

Vejam como o garotinho manda bem:

Marc aos 9 anos em Shangai toca Korsakov
http://www.youtube.com/watch?v=TzmoO5ioVYI

Marc com 8 anos e seu grande ídolo, o fenomenal chinês Lang Lang - parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=f4AcsxOgS64&feature=related

Marc e Lang Lang - parte 3
http://www.youtube.com/watch?v=OeeYPIpNxxI&feature=related

Site de Marc e da mãe (uma oriental lindíssima por sinal)
http://marc-yu.com/

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Acesso a que cultura?

Cercado de artistas, Lula lança Vale Cultura em São Paulo em busca de "revolução" 23/07 - 22:48 - Marco Tomazzoni

SÃO PAULO – Um grande espetáculo serviu como plataforma para o lançamento do Vale Cultura na noite desta quinta-feira (23), no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, na presença do presidente Lula, que assinou o documento que oficializa o envio do projeto de lei ao Congresso Nacional. O benefício, no valor de R$ 50, vai funcionar nos mesmos moldes dos vales-transporte e refeição e conta com apoio maciço da classe artística: Fafá de Belém, a coreógrafa Deborah Colker, Bruna Lombardi, Claudia Abreu, o cineasta Cacá Diegues e o clã Barreto – Luiz Carlos, Lucy e o filho, o diretor Bruno Barreto – foram apenas alguns dos presentes na cerimônia.




Lula observa apresentação no Teatro Raul Cortez e defende "acesso do povo à cultura"
Tanto entusiasmo se deve ao possível impacto econômico que a medida terá no setor. A previsão do Ministério da Cultura (MinC) é que a adoção do vale injete na indústria cultural cerca de R$ 600 milhões por mês, o equivalente a estrondosos R$ 7,2 bilhões por ano, utilizados na compra de livros, CDs, DVDs, ingressos de cinema, teatro, museus e shows. Conforme o ministro da Cultura, Juca Ferreira, o benefício não só deve trazer um incremento à renda dos artistas, como vai gerar um aumento nos postos de trabalho na área cultural. “Onde houver trabalhadores demandando cultura, haverá uma ampliação da oferta de emprego, gerando microeconomias nessas regiões”, apontou.
Esforçando-se para ser plural, a cerimônia reuniu artistas de diversas etnias e regiões do Brasil. Chico César, Roberta Sá, Tetê Espíndola, Vitor Ramil e Pinduca se apresentaram acompanhados e sozinhos, além de ter a companhia de um coral indígena, dançarinos e um grupo folclórico do Espírito Santo. Isso sem contar a participação do cineasta Eryk Rocha (filho de Gláuber), no palco para filmar ao vivo as apresentações. No encerramento, todos cantaram juntos a música “Comida”, dos Titãs – os versos “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte” têm sido usados à exaustão para ilustrar como a cultura é um “bem fundamental na cesta básica do brasileiro”, como diz Ferreira.
O Vale Cultura será concedido através de um cartão magnético, em um mecanismo similar aos outros vales, e será aceito apenas em redes credenciadas, cadastradas junto ao MinC. Se não utilizar todo o crédito de uma vez, o trabalhador pode usar o saldo restante no mês seguinte. O foco do programa são funcionários que ganham até cinco salários mínimos, o que, segundo dados da Receita Federal, deve abranger 12 milhões de pessoas. O empregado contribui com 10% do valor do vale, o equivalente a R$ 5 por mês. Os 90% restantes ficam por conta da empresa, que terá o benefício fiscal de abater com este gasto até 1% do imposto de renda.
Emocionado, Ferreira destacou o lançamento do programa como um “momento histórico”, uma “revolução” para colocar a cultura no centro do desenvolvimento do País. O ministro fez questão de reconhecer os pioneiros do projeto – o diplomata Sérgio Paulo Rouanet e o ex-ministro Gilberto Gil –, que primeiro pensaram nas vantagens da novidade. “Investir no consumo doméstico da família significa que serão gestados novos agentes culturais, novos artistas, criadores e poetas. Em pouco tempo, veremos que o espaço doméstico, até então conectado quase que exclusivamente à televisão, passará a ter também em seu interior outros atrativos.”
Um “cineminha” para ver “Lula, Filho do Brasil”
Acompanhado de perto pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, Lula até fez graça com o fato da mestre-de-cerimônias, a atriz Zezé Motta, citar mais de uma vez no protocolo a presença da possível candidata à presidência em 2010. “Eu não vou ler a nominata porque a Zezé Motta leu tantas vezes o nome da Dilma Rousseff que se tivesse um juiz eleitoral aqui, a Dilma já estava prejudicada”, brincou.




Lula abraça o cantor Chico César no palco
do Teatro Raul Cortez, em São Paulo

Se referindo ao Vale Cultura como uma “briga antiga”, Lula afirmou que o projeto é o primeiro passo para que “o povo brasileiro tenha acesso à cultura”. O presidente, no entanto, defendeu outras iniciativas para que o impacto seja mais efetivo. Como exemplo, elegeu a falta de salas de cinema e de teatro nas periferias como opção de entretenimento. “Cada vez fica mais difícil ir para o cinema por causa do transporte, segurança. O cidadão prefere sentar na frente da televisão e ver o que nós vemos, um misto de coisas boas com uma maioria de coisas ruins.”
A solução, na opinião de Lula, não seria estatizar os cinemas ou construir salas públicas, mas iniciar o debate em busca de uma política que inclua definitivamente os habitantes das áreas mais pobres e afastadas, onde está a maioria da população, através de uma combinação dos poderes das prefeituras, governo federal e estadual.
“Imaginar que um cidadão vai levantar lá nos confins do Judas, pegar um ônibus e levar duas horas para ir até o centro de São Paulo ver um filme é no mínimo não saber o conforto que é ficar na frente da televisão sem fazer nada.” E fez questão de citar “Lula, o Filho do Brasil”, filme biográfico de Fábio Barreto sobre anos de sua vida antes da presidência. “Um cineminha, Barreto, pelo menos para quando você terminar meu filme a gente ter esse prazer.”
O carro-chefe do Vale Cultura são as estatísticas do IBGE, datadas de 2006, de que apenas 14% da população brasileira vão mensalmente aos cinemas, 96% não frequentam museus, 93% nunca foram a uma exposição de arte e 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança. Por isso, a ideia é que o projeto de lei chegue à Câmara dos Deputados em caráter de “urgência urgentíssima”, seja votado daqui a 45 dias e depois siga para o Senado em busca de uma aprovação em tempo recorde.
“Espero que a gente consiga começar o ano com isso aprovado, porque depois também tem o processo cultural, que vai ter que ser trabalhado com os empresários, com os sindicalistas, na divulgação”, afirmou Lula. “É um trabalho que não é só do governo, mas dos artistas, da sociedade como um todo, para que as coisas possam acontecer.”

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Discurso de uma despedida tardia

É verdadeiramente difícil ficar calado diante de tantas besteiras que circulam na mídia. Tenho evitado falar neste blog, pois tenho a sensação de que quanto mais há pessoas dando palpites sobre assuntos para os quais não têm autoridade o suficiente para falar, pior fica o quadro cultural desse país. Mas me incomoda profundamente a atenção que a mídia tem dado à morte desse tal “astro da música pop”. Lembro-me de que quando o Sivuca faleceu o sítio da UOL publicou uma pequena nota para informar sobre sua morte. A televisão mal falou do assunto. Recordo-me ainda de que este mesmo sítio informava sobre uma apresentação da sandy com uma foto em destaque, deixando bastante escondida a notícia sobre a morte do Sivuca. Vendo os jornais de hoje, eu fico me perguntando: qual é a importância que esse tal astro tem para a cultura brasileira? Ele, o pessoal do U2 e a Madonna de vez em quando aparecem ao lado de pobres e marginalizados, ou quando não, apelam para discursos demagógicos sobre pobreza e política. Acho que esse discurso tem um bom fundamento: eles precisam muito mais dos pobres e negros do que pobres e negros precisam deles. Ninguém faz arte exibindo miséria, fazendo vídeo em favelas. Isto é chamar o público de idiota, é ignorar as sutilezas da arte. Não tem sido nada estranho, contudo, que as atuais gerações já não vêm diferença entre Paulo Coelho e Machado de Assis, entre o quen quen quen e a música de Villa-Lobos, entre a caricatura e a realidade. Isto não acontece porque a verdadeira arte está morta;isto acontece porque ela tem sido negada cretinamente por emissoras de TV e outros meios de comunicação que manipulam as informações e tentam a todo custo transformar o espetáculo em arte. É unicamente a sociedade do espetáculo, o circo, que interessa à imprensa. E quando aparecem palhaços, como esse tal astro que faleceu esta semana, aí só fica faltando pão.

Segue abaixo uma entrevista com o mestre Suassuna. É de 96, porém bastante atual.

Abraços, amigos!



-------------------------------------------------------------------------------------

Sertanejo da Paraíba radicado há décadas no Recife, Ariano Suassuna vai finalmente lançar, pela editora Record, um livro em que reescreve tudo o que produziu na vida. A tarefa se arrasta há anos. Não é para menos. Nesta entrevista, além de chamar de equivocados os que defendem a abertura dos portos ao "lixo cultural" estrangeiro despejado goela abaixo de países-satélites como o Brasil, ele faz uma lista dos artistas e escritores que realmente representam a cultura brasileira. Autor de peças como "Auto da compadecida" e do imerecidamente pouco conhecido romance "A pedra do reino", Suassuna, aos 69 anos, vem se dedicando a uma cruzada solitária em defesa de manifestações da criatividade popular.

A íntegra da entrevista

Há quem diga que quem defende a preservação da chamada "arte popular" defende a manutenção da pobreza. Porque, se tivessem acesso à educação, os artistas populares deixariam de produzir obras formalmente primitivas...

ARIANO SUASSUNA: Se realmente a opção fosse esta eu não teria duvida: seria melhor que a injustiça desaparecesse, mesmo que a arte popular desaparecesse com ela. Mas isso é um sofisma criado por por pessoas que detestam as manifestações populares da nossa cultura. Eu gostaria de refutar esse lugar-comum segundo o qual as obras da arte popular são necessariamente rústicas e primitivas. Veja-se, por exemplo, esta décima do cantador Dimas Batista, que poderia ter sido escrita por Calderón de la Barca: "Na vida material/ cumpriu sagrado destino:/ o Filho de Deus, divino,/ nos deu glória espiritual./ Deu o bem,tirou o mal, livrando-nos da má sorte".

Não é ingenuidade querer que a cultura brasileira seja preservada numa redoma à prova de influências externas, numa época em que as relações econômicas sofrem um processo radical de internacionalização?

SUASSUNA: Colocar a cultura brasileira numa redoma, além de impossivel, é indesejável, e eu venho afirmando isso há muito tempo. Em 1963, publiquei um artigo no qual dizia que a arte que se tornasse uniforme não se tornaria mais pura, e sim mais pobre. Em 1974, eu afirmava que somente fortalecendo o tronco negro, indígena e ibérico de nossa cultura é que qualquer coisa que nos venha de fora passa a ser, em vez de uma influência que nos esmaga e nos massifica num cosmopolitismo achatador e monótono, uma incorporação que nos enriquece. O que não posso aceitar é que brasileiros equivocados queiram que, em nome de nossa bela e fecunda diversidade, aqui seja acolhido também o lixo cultural, que é um subproduto da indústria cultural americana espalhado pelo resto do mundo, como se fosse coisa mais importante do ue os romances de Faulkner. Ou seja: não tenho nada contra Melville. Mas não venham exigir que eu ache que Michael Jackson e Madonna têm a mesma importancia que Melville ou Euclides da Cunha. Tenho pelo "lixo cultural" brasileiro horror igual ao que tenho por qualquer outro.

Você não acredita que manifestações culturais possam absorver criativamente influências externas ? Um violeiro que vê televisão não pode se enriquecer com as informaçõs que recebe?

SUASSUNA: Qualquer um se enriquecer com as informações que recebe. Eu leio jornais e vejo televisão. Os cantadores e violeiros nordestinos também. Nenhum de nós perde, com isso, a garra brasileira e o senso crítico e satírico.

Entre passar um fim de semana passeando com Woody Allen em Manhattan ou cavalgando com um vaqueiro no sertão da Paraíba, que opção faria?

SUASSUNA: Passear por Manhattan, com Woody Allen ou outra pessoa qualquer, é coisa coisa que não representa qualquer atrativo para mim. Nunca saí do Brasil, mas já que estamos no terreno das hipóteses, por que você não pensa em alguém melhor e num lugar melhor? Quanto à outra alternativa, não tenho mais a resistencia para sair por ai' afora, cavalgando.

Qual é a pior doenca do Brasil hoje?

SUASSUNA: Machado de Assis fez uma distinção definitiva entre o Brasil oficial e o Brasil real que, a meu ver, é o do povo, o do "quarto Estado". Nossas maiores doenças têm origem no Brasil oficial, e a cura só pode vir do Brasil real. O Brasil oficial é o problema. Ou, um pouco à moda de Unamuno: "Brasil é o problema, Brasil é a solucão".

Você ainda reclama das guitarras elétricas. Isso não é uma discussão superada desde os anos 60?

SUASSUNA: Vou mais longe, até. Esta e' uma discussão que não tem o menor interesse, desde muito antes. Nem nos anos 60 ela fez parte das minhas preocupações. Em música, gosto de Vivaldi, Scarlatti, Stravinsky, Erik Satie, José Mauricio, Villa-Lobos e Guerra Peixe. Mas, quando me entrevistam, fazem perguntas sobre guitarra elétrica, Michael Jackson e Orlando Silva. É por isso que apareço falando sobre pessoas sobre as quais não tenho o menor interesse. Nunca me viriam à lembranca se não me fizessem tais perguntas.

Você diz que não tem interesse por compositores como Caetano Veloso e Gilberto Gil, porque eles são influenciados pela massificação cultural americana. Não reconhece nenhuma contribuição desses compositores para a modernizaçào da MPB?

SUASSUNA: Por iniciativa minha, jamais fiz qualquer referência a Caetano Veloso e Gilberto Gil. As pessoas que me entrevistam é que fazem perguntas a respeito deles. Depois, na maioria dos casos, quando publicam as matérias,ficam me acusando de radical e intolerante por causa das respostas que dou, porque não costumo esconder nem disfarcar o que penso. Mas não gosto de falar mal de nenhum companheiro de trabalho, principalmente quando se trata de pessoas que antes estavam do nosso lado e depois passaram a emprestar seu talento ao outro.

Quem é o artista que, em qualquer área de produção cultural, melhor representa o Brasil?

ARIANO SUASSUNA: Nas artes plásticas, Aleijadinho, Francisco Brennand e Gilvan Samico. Nas cênicas, Antônio José da Silva, o Judeu; Martins Pena, Qorpo Santo e Artur Azevedo. Na literatura: Euclides da Cunha, Augusto dos Anjos. Na música, José Mauricio Nunes Garcia,Villa-Lobos, Guerra Peixe, Ernesto Nazareth, Capiba e Antônio José Madureira. No vídeo e no cinema, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos,Vladimir Carvalho, Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho.

O senhor reclama de que "o patrocínio de multinacionais nos eventos é uma tentativa de adormecer a resistência de nosso povo e aviltar a cultura brasileira pelo suborno dos intelectuais". Quais são os patrocínios que o senhor considera suborno?

SUASSUNA: Recusei indicações para o Prêmio Shell e para o Sharp. Recusei-me a participar da Bienal Nestlé de Literatura. Não fiz isto para me exibir nem para incorrer em falta de fraternidade com escritores e artistas que não têm as mesmas idéias nem as condições que eu tenho. Tais condições me deixam à vontade para recusar. Por isso, peço licença para, de uma vez por todas, encerrar este desagradável assunto.

O "gosto médio", a que o senhor se refere com desprezo, é "pior do que o mau gosto". Quais são hoje os piores exemplos da vitória do "gosto médio" sobre a qualidade artística?

SUASSUNA: O gosto médio a que me refiro é ligado àquele mesmo lixo produzido pela indústria cultural de massas. É fácil identificar na produção cultural brasileira de hoje quem segue tais padrões ou com eles se acumplicia.

O senhor, que é secretário de um governador que se declara um intransigentemente nacionalista, gostaria de ser ministro de um presidente neoliberal?

SUASSUNA: Sou amigo do governador Arraes, mas só concordei em ser secretário porque acho que ele representa, no campo da política brasileira, o mesmo que eu procuro ser na cultura. O cargo tem me trazido muitas e ardentes alegrias. Mas está me obrigando também a fazer coisas que detesto, como viajar. Imagino o que não aconteceria como ministro, motivo pelo qual não exerceria tal cargo com nenhum presidente, neoliberal ou não.

Do que trata o livro que o senhor vem escrevendo há anos? Qual o impacto o senhor gostaria que o livro tivesse no meio literário brasileiro?

SUASSUNA: O livro, ainda sem título, é um romance que, se for concluído como pretendo, será uma espécie de revisão e recriação de tudo o que escrevi. Quanto ao "impacto", não tenho nenhuma originalidade. Gostaria que o livro tivesse boa aceitação de público e de crítica. Mas tenho consciência de que sou um escritor de poucos livros e de poucos leitores. Já ficarei feliz se meu corajoso editor não tiver prejuízo.

Se um violeiro o procurasse com uma guitarra, o que o senhor faria?

SUASSUNA: Um violeiro com uma guitarra na mão seria aquilo que, em Lógica, se chama uma contradição em seus próprios termos. Ele não seria mais um violeiro e sim um guitarrista. E provaria, com a nova opção, que nem como violeiro prestava.

[in O Globo, Prosa & Verso, 06.10.96]