sábado, 28 de novembro de 2015

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"Direito ao foda-se"

        O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala". Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O” foda-se!”aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor, reorganiza as coisas, me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!“.Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!" O direito ao "foda-se!”deveria estar assegurado na Constituição Federal”.
 
       Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que ingará plenamente um dia. "Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "pra caralho"? Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho . O Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?
         No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!" O "Não, não e não!" é tampouco e nada eficaz e já em nenhuma credibilidade. O "Nem fodendo!" é irretorquível e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo: “Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!”. O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa, e você fecha os olhos e volta a curtir a sua musica.
Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente possível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um "é PHD porra nenhuma!”ou “ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O “porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os"aspone",”chepone","repone" e mais recentemente o "prepone" - presidente de porra nenhuma. 
          Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou seu correlato "Pu-ta-que-o-pa-riu!!!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.
E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
          E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".

“Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!!!”

Millor Fernandes

domingo, 30 de agosto de 2015

Seresta cubana

Salsa

Ritmo boliviano

Ritmo equatoriano

Ritmo indígena argentino

O velho Beto Barbosa!!




"Um ponto de vista às vezes depende da vista do ponto", costuma me dizer um amigo próximo. Convivi com muitos ritmos populares na época em que trabalhava em feiras livres com os meus pais, viajando em cima de carga de caminhão, dormindo em baixo de caminhão, acordando com enxurrada nos molhando, gritando e batendo facas em barracas de feira para atrair fregueses. Vi a alegria da alma brasileira em muitas dessas ocasiões, guardadas muitas vezes em músicas como esta. Não lembro com saudosismo, mas vejo que estas músicas soam quase sempre como uma péssima nota entre os intelectuais brasileiros; exceção que faço a José Ramos Tinhorão, que já chegou a publicar estudos da modinha à lambada.  Os ritmos dessa excelente banda de instrumentistas que acompanha Beto Barbosa são para mim parte da identidade do nosso continente, do México ao Brasil. Vejo ritmos de tango, música flamenga, indígena, africana e até da composição Cumbres, de José Pablo Moncayo em músicas como esta. No Brasil, ao que parece, uma parcela dos intelectuais quer construir o país deixando de fora o povo. Não se pode abrir mão da arte erudita, mas não se pode ignorar o legado rítmico do povo, até mesmo  para que o Brasil não deixe de existir enquanto país um dia. Lembro-me de, há muito tempo, ter lido em Uma nova história da música, de Carpeaux, que um leigo só conseguiria enxergar a diferença entre Mozart e Haydn graças ao folclore originário da região de cada um deles. Os instrumentistas brasileiros conseguiram, até os anos oitenta, manter os olhos nos ritmos brasileiros e produziram obras de qualidade inquestionável. É esse material em grande parte que é aproveitado pelos eruditos, como se vê na música de Villa-Lobos, na literatura de Suassuna, Guimarães Rosa e Mário de Andrade. Talvez até seja um pouco sobre esta espiritualidade que Richard Moorse estivesse também se referindo em O espelho de próspero. Esta alegria era, até recentemente, a expressão de um continente que aspirava à vida, independentemente de suas agruras, sacrifícios materiais e tudo o mais.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Em busca de um mundo melhor

Relembrando Wilson Martins



Estado - O senhor foi o crítico que mais tempo resistiu ao combate, mais que Tristão de Athayde, Sérgio Buarque, Álvaro Lins, Sérgio Milliet. 


Wilson Martins - Tenho mais tempo do que qualquer um. Aliás, substituí o Sérgio Milliet porque ele andava enfadado de fazer crítica. Sou o mais antigo, que é uma maneira delicada de dizer "o mais velho". 

Estado - O senhor sentiu-se respeitado por outros críticos? 

Wilson Martins - Depende. O José Ramos Tinhorão de vez em quando me dava uma alfinetada, levei várias no penúltimo livro dele sobre a música no romance brasileiro. Duas páginas em seguida ele concordava comigo, ficou empatado. De outros críticos, como Sérgio Milliet e Antonio Cândido, fui amigo pessoal. Foi Álvaro Lins quem recomendou meu primeiro livro de crítica para a editora José Olympio. Sérgio Buarque eu só conhecia de vista. 

Estado - O senhor não se dava com a esquerda brasileira? 

Wilson Martins - Por temperamento, sempre me considerei eqüidistante tanto da esquerda como da direita. Mas àquela altura não ser de esquerda significava ser de direita, ninguém falava mais nele. Não era integralista, escapei por milagre de ser comunista, mas nenhum membro do Partido Comunista falava comigo. Como morava em Curitiba, consegui não me agregar a um grupo. Mas uma pessoa independente acaba malvista pelos dois lados. 

Estado - O senhor acha que só manteve essa Independência por ser do Paraná? 

Wilson Martins - Eu a teria mantido em qualquer lugar, não sou de me apaixonar nem por partidos nem por ídolos de futebol. Um amigo dizia que eu era frio, seco. 

Estado - O senhor concorda? 

Wilson Martins - Ao contrário. Sou emotivo e sorridente, mas essa condição de lobo da estepe me convém. 

Estado - É a única maneira de ser um crítico independente? 

Wilson Martins - É. A crítica é uma arte difícil, são poucos os que ficam na história literária. Fora disso, o crítico estará sempre agregado ou a uma corrente de pensamento ou a um grupo, o que vicia o julgamento. Não há nada mais fácil do que a crítica para aqueles que se acreditam críticos. 

Estado - A escritora francesa Marguerite Duras nunca reconheceu na crítica um livro que havia lido, e só se guiava pela opinião de amigos em quem confiava. 

Wilson Martins - Não é um crítico que forma opinião. É um conjunto de pontos de vista. Um crítico é usado por certa camada da população que tem os mesmos gostos, identidade e ideologia. Os que pertencem a um campo diferente não se reconhecem nele. Pessoas que se dizem guiar pela crítica oral estão cometendo um erro de perspectiva: porque os amigos leram as críticas. A crítica oral é poderosa e o que se acaba formando é a média de opinião. 

Estado - Qual o crítico, entre os mais novos, que o senhor respeita? 

Wilson Martins - Lastimo, e é feio o que vou dizer. Mas ela não existe. A crítica propriamente dita desapareceu, aqueles longos estudos de rodapé estão sepultados, suplementos culturais de hoje publicam resenhas, elegem milhares de gênios, um ou outro artigo mais sério a respeito de um autor, mas dentro da perspectiva do novo jornalismo, fundado nas imagens, nas fotos, nos desenhos e nos títulos. Quanto menos texto, melhor. 

Estado - Uma espécie de jornalismo videoclipe? 

Wilson Martins - Exatamente. Tanto que substituíram o título Suplemento Literário por Suplemento de Cultura. Querem tratar de tudo, da música popular, do teatro, das viagens. 

Estado - Quem o senhor considera um bom jornalista de opinão? 

Wilson Martins - Paulo Francis era. Certo, errado, mas com coragem, o que é uma grande qualidade, e um apaixonado por seus pontos de vista. Um pouco impulsivo, afirmava coisas que não tinha visto direito, mas assim mesmo incluo o Paulo Francis na galeria dos grandes jornalistas deste século. Fiz muitas críticas desfavoráveis sobre os romances dele e ele dizia que o único crítico que ele respeitava no Brasil era eu. 

Estado - O que o senhor considera um bom crítico? 

Wilson Martins - T.S. Elliot dizia que para ser crítico só há um método, ser muito inteligente. E quando diziam que os críticos erravam muito ele respondia: "Os escritores também." Crítico não se faz por formação, ser crítico é uma vocação. Espontânea, instintiva. Aposto no Miguel Sanches Neto. A formação hoje também se faz assim mas há uma grande diferença de qualidade. O ensino em geral decaiu muito e os professores universitários se encaminharam para as teorias literárias, não para a literatura. Em vez de explicar os livros, explicam teorias. Esses professores universitários escrevem longos ensaios achando que escrevem uma crítica. 

Estado - O que diferencia um ensaio de uma crítica? 

Wilson Martins - Você faz o ensaio depois que a crítica foi feita, crítico é aquele homem que lê o que acaba de sair e estica o pescoço para a guilhotina num primeiro julgamento. Reafirma verdades impopulares. Penso numa velha frase do Victor Hugo: "O crítico deve mostrar se o livro é bom ou ruim." Só o tempo vai mostrar se ele tem ou não razão. Jorge Luis Borges declarou que daqui a 50 anos, ao se falar nos escritores do século 20, serão mencionados nomes que ninguém ouviu falar. Enquanto a posteridade não vem, o crítico é visto com reserva. 

Estado - Haroldo de Campos diz que o senhor, em geral, é um homem equivocado. 

Wilson Martins - Ele diz que fiz cruzada contra o Paulo Leminski, e eu só escrevi de passagem sobre ele. Considero Leminski um poeta lido erradamente e supervalorizado. Mas a discordância com os irmãos Campos vem de longe. 

Estado - Está na raiz da discordância sobre a poesia concreta? 

Wilson Martins - Nunca fui entusiasta do concretismo, que transformou tanto a mansão da crítica brasileira a ponto de torná-la inabitável - não existe inventário puramente científico, como o do João Cabral de Mello Neto, sem lirismo e retórica não há poesia. Mas a partir dos meus comentário os irmãos Campos tornaram-se adversários de opinião, dizendo que escrevi uma história da inteligência sem ser muito inteligente. Minha modéstia me obriga a concordar. Darcy Ribeiro não dizia que A História da Inteligência é o livro mais burro que já se escreveu no Brasil? São insultos. Raciocinar por meio de insultos faz efeito mas não significa nada. 

Estado - Darcy tinha uma presença, os irmãos Campos são meio gurus, isso não lhe incomoda? 

Wilson Martins - A partir de certo momento o crítico passa a encarar tudo como jogo normal da vida literária. Os irmãos Campos dizem que eu ataquei Guimarães Rosa, mas o próprio Rosa declarou nos escritórios da José Olympio que eu e Antonio Cândido eramos os únicos críticos que aceitaria nos prefácios de seus livros. 

Estado - O senhor continua achando que foi Érico Veríssimo e não o Oswald de Andrade o grande escritor de vanguarda do Brasil? 

Wilson Martins - O Érico é o grande injustiçado desse período todo. Já naquela altura ele era considerado um burguês, um homem que não era de esquerda - ele, aliás, passou o resto da vida tentando mostrar que era de esquerda, o mais esquerdista de todos, ninguém aceitava. É um escritor esquecido. Agora, essas reações e fantasias são de pessoas com raiva da história, que querem varrer o Érico da história da literatura brasileira. 

Estado - Há figuras como Jorge Amado, dos escritores que mais vendem fora do País, e suas críticas não têm sido favoráveis. 

Wilson Martins - As pessoas emburram como se eu escrevesse ofensas pessoais e dizem que me contradigo quando gosto de um livro de um autor, e do seguinte, não. Não escrevo sobre autores, escrevo sobre livros. Na crítica séria não há autor, há somente o texto. Jorge Amado escreve há 60 anos, ao longo da vida publicou livros bons e livros menos bons. Elogiei os bons, mas não recuei quando o livro era ruim. Além disso, esteve durante uma grande parte da sua carreira "medusado" pelo realismo socialista que estragou boa parte do trabalho. 

Estado - O senhor disse o mesmo do João Ubaldo, "medusado por Amado". É um ataque ao populismo literário? 

Wilson Martins - Não, é um artigo isento que estuda o caráter das obras dele. Sempre me considerei um admirador da obra do João Ubaldo e o Jorge Amado, apesar de tudo, sempre conservou comigo uma espécie de camaradagem literária. Não é meu amigo, mas não passou para o insulto, salvo indiretamente, pequenas coisas que a gente ouve aqui e ali. Se ele escrever outro livro, vou julgar como se estivesse começando a carreira. 

Estado - Aliás, do Antônio Callado o senhor sempre preferiu os livros do começo de carreira. 

Wilson Martins - Quem descobriu o Antônio Callado fui eu. Fiz o primeiro artigo elogioso sobre o livro de estréia dele, Assunção de Salviano. Mas escrevi sobre todos, e considerei Quarup dos grandes romances do nosso tempo, mas não posso negar que Reflexos do Baile é uma obra inferior. 

Estado - Como o senhor se defende dos autores brasileiros depois de afirmar que o maior escritor vivo de língua portuguesa é José Saramago? 

Wilson Martins - Não me defendo. Para mim, ele é e continua sendo. Quando declarei isso, sabia que estava mexendo num vespeiro. 

Estado - Esse vespeiro está bem vivo. O senhor não devolve as ferroadas? 

Wilson Martins - Nunca devolvi. Quando acontece ser uma inverdade, esclareço, mas não posso esperar que todo mundo goste de mim. Todo mundo gosta dos críticos bonzinhos porque são anódinos. 

Estado - Jô Soares reclamou quando o senhor disse que, ao pretender fazer um romance policial, ele caiu no histórico em O Xangô de Baker Street. 

Wilson Martins - Ele não, mas criei um caso com essa história e outra com o romancinho daquele menino, filho do Sérgio Buarque. 

Estado - Chico Buarque. 

Wilson Martins - É um cantor popularíssimo, mas faz literatura de amador. 

Estado - O Chico reagiu? 

Wilson Martins - Ele não, mas o Caetano Veloso foi ao Fantástico na Globo dizer que meu artigo era uma porcaria. Não reconheço no Caetano autoridade nenhuma para julgar literatura, nem mesmo os meus artigos. 

Estado - O senhor vê a literatura do Paulo Coelho como amador? 

Wilson Martins - Paulo Coelho não é fenômeno literário. Do ponto de vista literário ele não é nada. Como fenômeno, ele é sociológico. Responde a um estado de espírito generalizado e faz sucesso no mundo inteiro. Pega parábolas bíblicas e reescreve seculares lendas árabes, cola aquilo tudo e faz o livro. Uma espécie de vidente. A injustiça é julgar isso como literatura. 

Estado - Paulo Coelho diz que os críticos só gostam do que não vende. 

Wilson Martins - Falsa impressão. Os críticos de certa categoria julgam os livros por meio de um escalão. Entendo que alguns desses livros se tornem complexos para quem só assiste à novela. A diferença é o nível intelectual. Quantos mais rádios e geladeiras temos, menos número de palavras empregamos. Caminhamos assim de volta para a floresta natal, carregados de apetrechos que nos facilitam pular de um galho a outro. 

Estado - Mas o senhor também criticou o Nélson Rodrigues, que era popular. 

Wilson Martins - Popularíssimo, ficou mais ainda depois da biografia do Ruy Castro que, na verdade, reinventou o Nélson, conferiu a ele uma estatura que ele não tinha e que sua obra, marcada pela psicanálise amadora, não justifica. É preciso esclarecer um dos grandes mal-entendidos deste século. O sucesso de Vestido de Noiva deve-se à montagem do Ziembinski. As peças do Nélson são provocativas, famílias com 15 adultérios, um caso a estudar acrescido da reconstrução que o livro do Ruy Castro executou. 

Estado - O senhor é contra biografias? 

Wilson Martins - Biografias são um fenômeno, mas por enquanto estão muito enevoadas, engolidas com muita facilidade pelos leitores brasileiros. Passamos a encarar o Nélson pelo olhar do Ruy Castro. É como o Sábato Magaldi, que está fazendo uma obra importante sobre o Nélson mas naquela base, tirando o que não presta. Aí, o que sobra é muito bom. O tipo do julgamento que eu não consigo compreender. 

Estado - Quais os bons livros do momento? 

Wilson Martins - O Brasil está sempre à espera de gênios e se esquece de que é a literatura média de boa qualidade que cria a atmosfera intelectual, o caldo de cultura de onde surgirá o grande crítico, o grande escritor. O Brasil louva em excesso, superestima autores. 

Estado - O senhor falou muito de escritores homens. A produção feminina não anda grande coisa? 

Wilson Martins - Tem Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector e a Maria Cristina Albuquerque. Em geral, não há uma grande produção feminina ou feminista, o que tem aparecido no Brasil é muito reivindicativo do tipo "faz anos que somos reprimidas". O que não deixa de ser verdade, mas o problema não é reclamar, é aparecer uma boa obra literária. Se isso acontecer, tanto faz que o autor seja homem, mulher, homossexual. 

Estado - Autor ou o personagem? 

Wilson Martins - Estão aparecendo livros e livros sobre personagens homossexuais, que assumiram coletivamente na vida e na obra uma atitude polêmica. Como se quisessem tornar o homossexualismo obrigatório. A verdade é que também nesse caso não apareceu a grande obra. O amor homossexual parece um mimetismo dos amores da literatura clássica. 


Entrevista a O Estado de São Paulo 

Bruno Tolentino, o poeta silenciado


Claudio Leal
A morte do poeta Bruno Tolentino (1941-2007), em junho, ganhou um tratamento protocolar da imprensa brasileira. A firmeza de sua poesia, cuidadosamente organizada em vida, esbarra agora nos ressentimentos criados por suas batalhas literárias. Depois do tempestuoso retorno ao Brasil, em 1993, quando travou polêmicas com os poetas concretistas, sentiu os espaços serem fechados. Era um maldito. Mas não havia insulto que não soubesse fundamentar.
Negada uma arena, transferiu o combate de professor aos auditórios de província. Há três anos, Tolentino veio morar em Salvador, onde pretendia fechar "um ciclo pessoal". Dizia isto com fumaças de enigmático. Em 1959, desembarcara na Bahia para assistir à montagem da peça Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams, dirigida por Eros Martim Gonçalves, então diretor da vanguardista Escola de Teatro. Apaixonou-se por Anecy Rocha, irmã de Glauber, mas logo o espírito protestante da família Rocha o afastou de sua "camélia".
Naquele ano, foi convidado pelo reitor da Universidade da Bahia, Edgard Santos - ex-ministro da Educação de Getúlio Vargas -, a traduzir peças teatrais do inglês para o português. Espírito inquieto, abandonou Salvador e, em 1964, o próprio Brasil, seguindo vida intelectual pela Europa, de poeta reconhecido por W.H.Auden e Saint-John Perse. Nesse exílio voluntário, ergueu a maior parte de sua obra poética. A presença de Bruno em Salvador me parecia deslocada. Retomava o garoto de 1959? Era um refúgio, ele argumentava, à estagnação intelectual do Rio de Janeiro e de São Paulo. Na periferia, o debate podia renascer e lançar lavas sobre os centros econômicos. Alugou um flat, em Salvador, no bairro litorâneo de Ondina, e tratou de articular seminários no Instituto Feminino da Bahia.
Lá o conheci, em julho de 2004. Analisou a crítica de Machado de Assis à razão positivista, a perspectiva na pintura renascentista, a apostasia em Carlos Drummond de Andrade e Eugenio Montale. Inquietava-o a substituição do mundo-como-tal pelo mundo-como-idéia. Disparava: "Toda vez que o homem usou ideologias para melhorar o mundo, ele o tornou um pouco pior. O Holocausto nasceu de um conceito de melhoramento do mundo".
Um dia, apareceu com uma londrina capa de chuva. "Pensei que ia me atrasar. Nisto, Salvador se parece com Londres: mesmo quando nos atrasamos, dá para chegar no horário". Seu fluxo verbal era interminável, e tomava atalhos. Recordava-se, a todo instante, dos tios Octávio Tarquínio de Sousa e Lúcia Miguel Pereira, da elite intelectual do Rio. Octávio, biógrafo do Império; Lúcia, de Machado de Assis. Deles herdou o tom respeitoso para falar de "Dona Cecília (Meireles)" e "dr. Manuel (Bandeira)".
Se não se fazia entender, explicava pelo avesso, citando o poeta espanhol Antonio Machado: "La verdad es lo que es,/ y sigue siendo verdad/ aunque se piense al revés". Equilibrava uma xícara aristocrática. Sorvia o chá e ria. O tio Octávio preferia chá indiano. Bruno, naqueles dias, chá silvestre. E esgrimava: "São Paulo não produziu nada de culturalmente relevante nos últimos 500 anos. Nenhum grande poeta. Falam em Mário de Andrade... É o pior poeta brasileiro de todos os tempos! E Ribeiro Couto, coitadinho". Faíscas saíam da língua. "Que filósofo tem o Brasil além de Miguel Reale e Olavo de Carvalho?".
Trouxe a Salvador os romances seminais de Machado de Assis e se armou para um seminário que pretendia organizar sobre o Bruxo. Em menino, ouviu Graciliano Ramos levantar a voz aos tios: "Não admito que ninguém admire mais Machado do que eu!". Assimilou a solenidade do nome. Na década de 50, marcou, com o amigo José Guilherme Merquior, a leitura simultânea de Quincas Borba. Sentiram uma insegurança em torno da temática e correram ao poeta Ferreira Gullar. "Talvez seja um romance sobre a arte de escrever", ouviram.
Revejo as semelhanças de espírito: Machado e Bruno desacreditavam doutrinas, sem fugir da tradição. Curiosamente, ao expor seu plano de estudo, ele desprezou o último livro de Machado. Protestei: "Por que você não incluiu Memorial de Ayres? Há também uma construção romanesca". Ele torceu o nariz - "Porque o Memorial de Ayres, como o nome diz, é um memorial. São apenas anotações do conselheiro". Fiquei desapontado com a aparente intolerância, mas logo veria que ele não andava em mão única. Na semana seguinte, confessou-me: "Andei relendo o Memorial... Espantoso. Precisamos arranjar uma forma de incluí-lo!".
Compromisso adiado, pois sua rotina de viagens - era um Rimbaud a procurar um outro eu em toda parte - fez com que o acompanhasse à distância. Até que me caiu em mãos seu último livro A imitação do amanhecer, que concorre ao Prêmio Portugal Telecom. Meses depois, a notícia de sua morte. Bruno morreu silenciado - e, no entanto, um impulso exigia que falasse. Espero que sua poesia seja mais lida com o tempo, separada de sua personalidade solar. Na última vez que o vi, caminhava por Ondina. O velho passo célere. Algo lhe conferia tranqüilidade. "Naquela tarde um pássaro de garganta cortada/ afinal fez-me ver como a emoção separa/ e une tudo outra vez às vésperas do nada". Que poeta sumiu naquela rua.


Claudio Leal é jornalista.

A imitação da literatura - Por Olavo de Carvalho


O artigo de Wilson Martins sobre os “romancistas amadores” (O Globo, caderno Prosa & Verso, 10 de fevereiro) traz de volta uma distinção esquecida: a imitação da literatura não é literatura. A diferença é evidente: a literatura absorve, prolonga e busca superar a tradição universal da arte de escrever; a imitação da literatura, ignorando essa tradição copia os seus produtos mais em voga. É uma diferença de perspectiva histórica: em toda a autêntica obra literária está implícita, de certo modo, a evolução inteira da literatura. Na sua imitação, está embutido apenas o tecido das convenções e gostos contemporâneos, amputado do seu fundo histórico e tomado, abstratamente e no ar, como modelo supremo e final da imaginação humana. A literatura de imitação prende-nos na redoma de uma atualidade compressiva, separando-nos da humanidade que nos antecedeu.
Esta distinção é evidente, porém, somente a quem conheça a tradição literária, a quem, por um esforço de auto-educação, tenha se elevado a uma concepção historicamente fundada do universalmente humano. A quem esteja preso no círculo de ferro da atualidade, é invisível e inconcebível.
Mas a atualidade nos chama, cada vez mais, com o apelo potente do noticiário, do marketing, das modas que se sucedem com rapidez alucinante, ameaçando jogar para fora da comunicação cotidiano – e aprisionar num isolamento vagamente identificado com a marginalidade e a loucura – quem quer que se recuse a acompanhá-las. Atualizar-se, porém, não é somente se manter informado: é absorver novos pressupostos, que, embutidos na trama da linguagem, condicionam a possibilidade mesma da comunicação: os sentidos das palavras vão mudando em velocidade crescente, e com eles adquirimos novos sentimentos, novas reações, amoldando-nos, volens nolens, aos costumes do dia. Nossa comunicabilidade está na razão direta da nossa plasticidade, da nossa total ausência de princípios. Atualizar-se requer menos capacidade intelectual do que maciças doses de oportunismo, numa quantidade que só se pode fornecer à custa do sacrifício de outras aptidões, inclusive a de discernir o verdadeiro do falso, o bom do ruim e… a literatura da pseudoliteratura. E como a atualização vai exigindo cada vez mais dedicação integral, acaba por se tornar uma modalidade especial de educação, com seus catedráticos, seus pedagogos, suas normas, seus primeiros da classe e seus aprovados. É a educação jornalística, em oposição à velha educação humanística. Esta procurava dar ao homem uma visão do universal; aquela, inseri-lo no atual, ainda que à custa de privá-lo daquele recuo crítico ante o presente, que é condição prévia para se ascender a uma visão universal das coisas.

Ora, do ponto de vista da educação jornalística, a distinção entre literatura e pseudoliteratura, ou mesmo subliteratura, tende a se tornar cada vez mais irrelevante: um livro péssimo, pelos padrões da arte literária, pode ser muito mais significativo dos anseios da vida – das “aspirações do nosso tempo” – do que uma grande obra de arte. E, uma vez que a própria Constituição brasileira (Art. n. 216) definiu como patrimônio cultural o que quer que dê testemunho do que se passa neste país – fazendo abstração de quaisquer considerações de qualidade, estética, moral ou cognitiva –, a conclusão é que, graças a uma aliança entre poderes públicos, o mercado das comunicações e os profissionais da atualização, a vastidão do interesse momentâneo tende a se substituir, gradativa e inexoravelmente, a qualquer critério de valor universal, o literário incluso. Morto não fala, e a humanidade passada não é incluída nas sondagens de marketing.

Contribui para esse efeito o crescimento quantitativo da classe dos “produtores da cultura” – uma massa barulhenta que, cada vez mais, vai sendo formada no molde da cultura jornalística, desprovida de qualquer concepção mais universal, e imbuída da crença edificante de que sua missão precípua é ecoar – se possível vociferar – as sacrossantas “aspirações do nosso tempo”. Mas “nosso tempo”, por definição, não significa outra coisa senão o período em que uma aspiração continua em pauta nos debates do dia: é o tempo de duração das notícias. E quando a cultura, para ser notícia, tem de se reduzir a um eco das notícias, então a inteligência humana está sob a mais grave ameaça que já pesou sobre ela desde que a dispersão das cidades romanas isolou os homens em feudos distantes e mutuamente hostis.
Mais temível que o isolamento no espaço é a prisão no casulo do tempo: o primado da atualidade jornalística na criação da cultura é a consagração de um provincianismo temporal mais acachapante e embrutecedor do que qualquer provincianismo regional, por se camuflar nas pompas enganosas de uma falsa universalidade quantitativa, criada pelas redes de telecomunicação e informatização mundial. Pois a profusão dos dados à disposição do consumidor nem eleva sua inteligência nem amplia seu universo, desde que os valores pressupostos que enquadram a imagem do conjunto são sempre, em última análise, os da atualidade fechada em si mesma, que se torna despoticamente como padrão absoluto para o julgamento dos tempos e dos povos.
Não faltam teorizadores para dar uma legitimação “intelectual” ao estado de coisas. Dois neocretinos que filosofavam a revolta de maio de 68, Philippe Rivière e Laurent Danchin, propugnavam uma nova educação básica, em que a filosofia e a letras seriam substituídas por informática, marxismo e música pop. Idéias como essa penetraram mais fundo e estão mais vivas no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo: segundo o Prof. José Arthur Gianotti, a missão da arte é “fazer valer as vontades populares”. E segundo o próprio presidente da República, cultura é o mesmo que show business – um business altamente moral, sem dúvida, na medida em que condiciona seus lucros aos serviços que presta às “causas populares”. A medida – auto-atribuída, naturalmente – dos méritos adquiridos a serviço da causa pode avaliar-se pêra recente disputa de sambistas em torno das remunerações milionárias aos participantes do show de fim de ano da Prefeitura do Rio: no momento em que um sambista adquire o estatuto de glória nacional, acrescido da autoridade moral de defensor público do bem, para o qual toda remuneração é pouca e humilhante quando vem de fonte alheia à causa, quem é que tem força para expulsá-lo parahors de La littérature? Ante as “aspirações do nosso tempo”, literatura não é preciso; Chico Buarque é preciso. Pois se a arraia-miúda intelectual do show business assumiu quase que oficialmente as funções de pedagogia moral que outrora incumbiam aos religiosos, aos filósofos e aos homens de letras, é que a idéia mesma de cultura sofreu uma mutação da qual talvez não possa se restabelecer nunca mais: reduzida a uma síntese oportunística deshow business e agitprot, ela funde os prazeres do capitalismo aos lisonjeiros pretextos morais do socialismo, atendendo em toda a linha às “aspirações do nosso tempo”, entre as quais não se inclui aquela aspiração à universalidade dos valores espirituais, que está subentendida em toda grande literatura.

Deste modo, a distinção que Wilson Martins procura restaurar é válida e evidente para quem sabe do que ele está falando; mas a formação mental dos atuais “produtores de cultura” dirige-se exatamente a fazê-los se desinteressar cada vez mais por saber de que é que pessoas como Wilson Martins e o autor destas linhas estão falando. Para falar na linguagem deles: They don’t care about us. [10.2.1996]

Entrevistado pela TV Globo no dia 05 de maio de 1996, Caetano Veloso opôs ao diagnóstico de Wilson Martins a seguinte refutação: "Porcaria. Porcaria. Porcaria. Porcaria". Quod erat demonstrandum. Dou a mão à palmatória: nunca imaginei que Caetano fosse capaz de tamanho tour de force dialético. Se continuar evoluindo assim, ele logo estará limpando o bumbum sem ajuda da mamãe.




quinta-feira, 2 de julho de 2015

Esta montanya d' enfrente - Anónimo sefardí

Cristóbal de Morales - Cum natus esset Iesus

Cristobal de Morales - Circumdederunt me - Laudantes Consort

Strijps Kamerkoor Eindhoven - Cristóbal de Morales 'O sacrum convivium'

Cristóbal de Morales - Lectio II, Taedet animam meam (Lamentatio Jeremiae)

Incipit oratio Jeremiae Prophetae- CRISTOBAL DE MORALES~Spanish Music in...

Cristóbal de Morales - Introitus Requiem Aeternam

Cristóbal de Morales - Kyrie (Missa Mille Regretz)

Motete Jubilate Deo Omnis Terra a 6 - Cristóbal de Morales.

REQUIEM (Missa Pro Defunctis a 5) [Introitus - Kyrie] - Cristóbal de Mor...

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Bach - Violin Concerto No.2 in E Major BWV 1042 - 2/3

Bach - Organ Concerto No.2 in D Major BWV 1053 - 2/3

Cristobal de Morales - Officum Defunctorum & Missa Pro Defunctis

KYRIE~Missa a 11 de 4° Tono- FABIÁN PÉREX XIMENO~Mexican Polychoral Baro...

CREDO~Missa a 11 de 4° Tono- FABIÁN PÉREX XIMENO~Mexican Polychoral Baro...

Corpus Christi à Cusco - Ensemble Elyma

Esteban Salas - Baroque Cantatas from Santiago de Cuba

El gran barroco de Bolivia

Javier Echecopar - 3 siglos de guitarra en Perú (Full)

Paraguay Barroco

Una tonadilla nueva - Baroque Music from Ecuador

Barroco equatoriano

terça-feira, 16 de junho de 2015

JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA

José Maurício Nunes Garcia - Christus Factus Est

O nosso grande José Maurício Nunes García

Manoel Dias De Oliveira

MANOEL DIAS DE OLIVEIRA

Jerônimo de Souza Queiróz

Tristão Mariano da Costa (Itu, SP, 1846-1908) - Te Deum -

Modinhas Imperiais

Schumann Symphony Nº 03; Renana, op. 97





Recomendaria também a sinfonia nº04, que maravilha!

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Imperatriz Leopoldina




Difícil não se comover com a história dessa grande mulher. Aqui aparece muito pouco sobre  o que ela verdadeiramente representou para história brasileira. Há passagens de puro romantismo, mas vale a pena assistir. 



sábado, 23 de maio de 2015

Rodrigo Gurgel - O que ler para se tornar escritor

Ângelo Monteiro - A poesia como chave de uma autobiografia interior [Con...

Rodrigo Gurgel - Como ler? [ConaLit]

A atualidade dessa entrevista é realmente incrível!

Quero meu país de volta

O poeta que passou trinta anos na Europa se diz horrorizado com o baixo nível, acha que o país regrediu e parte para a briga


Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino, menino carioca de família aristocrática, gosta de dizer que é de um tempo em que rico não roubava. O avô foi conselheiro do Império e fundador da Caixa Econômica Federal e seus tios eram intelectuais, como os escritores Lúcia Miguel Pereira e Otávio Tarquinio dos Santos, além dos primos Barbara Heliodora, a crítica teatral, e Antonio Candido, o crítico literário. Ainda era analfabeto em português quando duas preceptoras, mlle. Bouriau e mrs. Morrison, o ensinaram a conversar em francês e inglês dentro de casa. Tolentino saiu do Brasil em 1964 e, no estrangeiro, ocupou-se de árvores genealógicas de origem erudita. Orgulha-se de ter filhos com mulheres descendentes do filósofo Bertrand Russell e do poeta Rainer Maria Rilke. O mais novo, Rafael, de 8 anos, nascido em Oxford, Inglaterra, onde o pai ensinou literatura durante onze anos, é filho da francesa Martine, neta do poeta René Char. Bruno publicou livros de poesia em inglês e francês. Em 1994, lançou no Brasil As Horas de Katharina, e no fim do ano passado mais dois, Os Deuses de Hoje e Os Sapos de Ontem - todos ignorados pela crítica, pelo público e pelos curiosos.
Aos 56 anos, já de volta ao Brasil, Tolentino tem feito força para tornar-se herdeiro do embaixador José Guilherme Merquior, intelectual de boa formação e polemista musculoso. Tem conseguido aparecer. Brigou com os poetas concretos, depois com o que considera máquina de propaganda de Caetano Veloso e sua turma. Em seguida, com os críticos literários e os filósofos, elevando ainda mais o tom numa entrevista publicada por O Globo, duas semanas atrás. Fora do país, Tolentino ensinou em Oxford, Essex e Bristol e trabalhou com o grande poeta inglês W.H. Auden. Conheceu celebridades como Samuel Beckett e Giuseppe Ungaretti. Horrorizado com a possibilidade de ver o filho mais novo crescendo em escolas que ensinam as obras de letristas da MPB ao lado de Machado de Assis, abriu fogo contra o que considera o lado ruim de sua pátria, como explica em sua entrevista a VEJA:



VEJA - Por que tantas brigas ao mesmo tempo? 

TOLENTINO - Para ver se o pessoal cai em si e muda de mentalidade. O Brasil é um país vital que está caindo aos pedaços. Não quero sair outra vez da minha terra, mas não posso ficar aqui sem minha família, que está na França. Não posso educar filho em escola daqui. 

VEJA - Por que não? 

TOLENTINO - Foi minha mulher quem disse não. Educar um filho ao lado de Olavo Bilac, última flor do Lácio inculta e bela, que aconteceu e sobreviveu, ao lado de um violeiro qualquer que ela nem sabe quem é, este Velosô, causou-lhe espanto. A escola que ela procurou para fazer a matrícula tem uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira e Caetano. O menino seria levado a acreditar que é tudo a mesma coisa. Ele nasceu em Oxford, viveu na França e poderá morar no Rio de Janeiro. Ele diz que seu cérebro tem três partes. Mas não aceitamos que uma dessas partes seja ocupada pelo show business. 

VEJA - Qual o problema? 

TOLENTINO - Minha mulher já havia se conformado com os seqüestros e balas perdidas do Rio, mas ficou indignada e espantada pelo fato de se seqüestrar o miolo de uma criança na sala de aula. Se fosse estudar no Liceu Condorcet, em Paris, jamais seria confundido sobre os valores do poeta Paul Valéry e do roqueiro Johnny Hallyday, por exemplo. Uma vez entortado o pepino, não se desentorta mais. Jamais educaria um filho meu numa escola ou universidade brasileira. 

VEJA - Não é levar Caetano Veloso a sério demais? Ele não é só um tema de currículo, entre tantos outros? 

TOLENTINO - Não. Ele está também virando tese de professores universitários. Tenho aqui um livro, Esse Cara, sobre Caetano, uma espécie de guia para mongolóides, e a mesma editora desse livro me pede para escrever um outro, sob o título Caetano Se Engana. É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura. 

VEJA - O que você tem contra a música popular? 

TOLENTINO - Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa, Tom Jobim ou Ary Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar que passei a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de alta cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros países, mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é que letra de música vai se confundir com poesia? 

VEJA - O senhor não está ressentido por ele ter assinado um manifesto contra um artigo seu sobre uma tradução do poeta Augusto de Campos? No fundo, parece que o senhor está querendo aparecer à custa deles. 

TOLENTINO - Não tenho ressentimento nem ciúme. Nem tenho nada contra quem assina manifesto. Se você vê um amigo seu brigando na rua, o mínimo que pode fazer é ir lá apartar. Foi o que ele fez no caso do Augusto de Campos. Só que assinou um cheque em branco. A princípio achei que ele tinha entrado de gaiato, e lhe dei o benefício da dúvida, sobre uma questão muito delicada de tradução e de cultura que ele não está capacitado para julgar. Nem ele nem Gal Costa. Que intelectuais são esses? Se os irmãos Campos não sabem inglês, imagine eles.

VEJA - Os poetas e tradutores Augusto e Haroldo de Campos não sabem inglês? 

TOLENTINO - Não sabem inglês, nem alemão, nem grego. Por exemplo, traduziram Rainer Maria Rilke e criaram a frase "ele tem um pássaro", que é literal, mas que em alemão quer dizer que alguém tem uma telha a menos, é meio doido. São péssimos poetas e péssimos escritores. Não sabem absolutamente nada do que alardeiam saber. 

VEJA - Por que só o senhor, e não outros críticos, diz essas coisas? 

TOLENTINO - Na República das Letras ainda estamos à espera das diretas já. A usurpação do poder legal por vinte anos deixou-nos seus legados nas patotas literárias que desde então controlam a entrada em circulação, ou a exclusão pelo silêncio, de livros, autores, obras inteiras. Nas redações dos jornais como nas universidades prevalece a censura, e o único critério para sancionar uma obra parece ser o bom comportamento do neófito, sua genuflexão aos ícones da hora. Nossa crítica suicidou-se matando o diálogo, o debate e a polêmica. Mascarados de universitários, esses anõezinhos conseguem dar a impressão de que a inteligência nacional encolheu, que em Lilliput só se sabe da cintura para baixo. Quem já ouviu falar de Alberto Cunha Melo, que vive escondido no Recife, e é nosso maior poeta desde João Cabral? São dele estas palavras: "Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem". Mas José Miguel Wisnik ora é crítico, ora é letrista e compositor, portanto é catedrático. Os violeiros empoleiraram-se nas cátedras e Fernando Pessoa virou afluente da MPB. Não é à toa que até em Portugal os brasileiros viraram piada. Ouvi uma que provocava gargalhada logo à primeira frase: "Um intelectual brasileiro ia começar a ler Camões quando a banda passou e..." É preciso perguntar dia e noite: por que Chico, Caetano e Benjor no lugar de Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar? 

VEJA - Por que o senhor acha os críticos brasileiros ruins? 

TOLENTINO - O que os críticos disseram sobre meus trinta anos de poesia? Só, desonestamente, que minha poesia é arcaizante e não suficientemente progressista. Que eu, o escritor Diogo Mainardi e - como é mesmo o nome do marido da Fernandinha Torres? - o diretor Gerald Thomas somos figurinhas carimbadas porque somos amigos de gente famosa. Quer dizer, chamam a atenção para a pessoa e não para a obra. E toda pessoa é discutível. Eu sou meio apalhaçado mesmo. A minha biografia é interessante, meio cinematográfica, e assim é como se eu não tivesse escrito nada. Uma espécie de Ibrahim Sued das letras. 

VEJA - Mas o que aconteceu com os críticos para que se tornassem tão incapazes, na sua opinião? 

TOLENTINO - A crítica brasileira não existe mais. Cometeu um haraquiri muito bem pago. Trocou sua independência por cátedras e verbas. É uma gente venal, vendida, que controla as nomeações para as cátedras, bolsas e verbas. Vão se meter com um maluco como eu? Todos, de Roberto Schwarz a David Arrigucci, foram formados pelo meu primo Antonio Candido, que é um geriatra nato. 

VEJA - Caramba... Não sobra nenhum crítico brasileiro? 

TOLENTINO - Sobra, evidentemente, Wilson Martins, que não tem lá muito gosto poético, mas enfim... 

VEJA - O senhor também não sobra? 

TOLENTINO - Em vários sentidos. Não tenho onde escrever. Sou herdeiro, e me considero assim, da combatividade crítica de José Guilherme Merquior. Crescemos e fomos amigos juntos, tínhamos idéias convergentes embora nem sempre coincidentes. Quando ele morreu, em 1991, houve um grande suspiro de alívio entre nossos crititicos e poetômanos. Infelizmente ele era embaixador. Eu não sou embaixador de nada. Essa gente está morta de medo de que eu venha a ter uma tribuna. Não me importa ser celebrado lá fora. Não faço falta lá, há muitos outros como eu. Aqui, com esta independência, cultura, erudição e combatividade, não tem outro que nem eu. 

VEJA - Sem embaixada, o senhor vai ser só poeta? 

TOLENTINO - Minha obra poética está basicamente terminada. Escrevi poesia por mais de trinta anos e não conheço nenhum outro poeta, além de Manuel Bandeira, que tenha conseguido escrever bem além dessa média. A partir daí, decai. Estou transferindo o meu esforço para o ensaio. Falar, por exemplo, dos males que a ditadura causou ao país me parece cada vez mais um sintoma do que uma causa. É um sintoma do Febeapá, vem no bojo dele. A imbecilidade já crescia. A ditadura simplesmente institucionalizou a falta de respeito pela realidade, pelo próximo, pela legalidade. A verdade foi substituída pela verossimilhança, a literatura, pela imitação da literatura. 

VEJA - O senhor poderia dar exemplos disso? 

TOLENTINO - Foi Wilson Martins quem levantou essa idéia, ao dizer que as obras de Chico Buarque e Jô Soares eram imitações da literatura. Auden, o Drummond lá dos ingleses, também dizia algo parecido. A gente lia um cara e concluía que ele era muito ruim. Auden discordava, dizendo que ele era muito bom. "Faz a melhor imitação de poesia que já li", dizia. Parecia piada mas não era. 

VEJA - O senhor acha que a imitação é ruim? 

TOLENTINO - A imitação da literatura se dá quando se fecha no círculo de ferro na modernidade. Ela obriga o leitor a seguir moda, busca efeito imediato, como se tudo começasse por você, naquele momento. A verdadeira literatura está sempre acuando tudo que a precedeu. Quincas Borba, de Machado, contém toda a novelística russa, e também Balzac. Wilson mostrou com muita acuidade e mordacidade que os romances de Chico são uma reedição do nouveau roman, que já morreu. Agora morreu a última representante dele, Marguerite Duras. Conheci toda aquela gente do nouveau roman, Alain Robbe-Grillet, Michel Butor, e saí correndo. Chato existe em todo lugar, não só no Brasil. Mas Wilson foi injusto com a imitação do Jô. É uma coisa que não pretende ser mais do que aquilo mesmo, divertir. 

VEJA - Por que o senhor não vai ensinar o que sabe nas universidades? 

TOLENTINO - Só entro numa universidade disfarçado de cachorro ou levado por uma escolta de estudantes. Sou um vira-lata muito barulhento. Não vão me convidar para nada porque eu quero acabar com os empregos e mordomias deles. Quero que eles passem por todos os exames de Oxford para ver se sabem mesmo alguma coisa. 

VEJA - Então as universidades não servem para nada? 

TOLENTINO - A escola pública desapareceu. A fórmula de sobrevivência do país é a trilogia emprego público, de preferência com aposentadoria acumulada, condomínio fechado e plano de saúde. Esse é o apartheid construído por uma elite analfabeta e totalmente irresponsável que entregou nossa cultura. Nem estou falando da nossa classe média, que tem dinheiro para gastar em boates e shows e sair de lá gargarejando cultura. 

VEJA - O senhor tem acompanhado a produção intelectual das universidades brasileiras? 

TOLENTINO - O departamento de filosofia da Universidade de São Paulo nunca produziu filosofia nenhuma, não por inépcia ou preguiça, mas por um estranho espírito de renúncia parecido ao espírito de porco. Cultivavam a crença de que só poderia nascer uma filosofia no Brasil "ao término de um infindável aprendizado de técnicas intelectuais criteriosamente importadas", como diz um professor de lá. Mais urgente do que filosofar era macaquear os debates dos "grandes centros" produtores de cultura filosófica. O que significava tomar o padrão europeu do dia como norma de aferição do valor e da importância do pensamento local. Imaginando ou fingindo preservar a mente brasileira de uma independência prematura, o que os maîtres à penser da USP fizeram foi apenas incentivar a prática generalizada do aborto filosófico preventivo. Não espanta que, por quatro décadas, o "rigor" (com aspas) uspiano não produziu outro resultado senão o rigor mortis de uma filosofia que poderia ter sido o que não foi. 

VEJA - Mas José Arthur Giannotti escreveu um livro de filosofia, Apresentação do Mundo, que foi muito elogiado... 

TOLENTINO - É, ele escreveu um besteirol sobre Ludwig Wittgenstein saudado em suplementos de várias páginas como marco do nascimento da filosofia no Brasil. É uma audácia depois de Mário Ferreira dos Santos, Miguel Reale, Vicente Pereira da Silva e Olavo de Carvalho. Nós temos uma filosofia nativa, isso sem falar da filosofia de cunho religioso, teológico, que eu não vou citar porque sou católico e vão dizer que estou puxando a brasa para a sardinha da Virgem Maria. Passei cinco meses garimpando nas páginas daquele livro e não encontrei nada que não fosse uma leitura do que Wittgenstein acha da dificuldade lingüística de compreender a realidade. Isso a gente já sabe, a partir do próprio Wittgenstein. Uma filosofia nacional não tem nada a ver com isso. 

VEJA - Tem a ver com o quê? 

TOLENTINO - A cultura filosófica brasileira é quase nula. Nossos professores gastaram décadas lendo Marx, em vez de Husserl. Aqui só dá o tripé Kant, Hegel e Marx. E onde está a grande tradição escolástica que vai de Aristóteles a Husserl? Isso não é lido nem discutido aqui. Mas existe uma filosofia brasileira. Reale e Olavo de Carvalho, que não se formaram em lugar algum, não perderam tempo com essa estupidez. Foram estudar e aprender as tantas línguas que falam. Eu, quando tenho dificuldade com latim, grego ou alemão, é para eles que telefono. 

VEJA - O senhor não está exagerando, sendo duro demais? 

TOLENTINO - Não. Não passei nenhum dia aborrecido aqui. Sempre encontro gente inteligente. Quando cheguei à Europa, não tive nenhum complexo de inferioridade. É verdade que eu conheci em casa o que o Brasil tinha de melhor. Faço parte do patriciado brasileiro. E não via diferença entre Ungaretti e Manuel Bandeira, só de língua. Era a mesma coisa. Não havia um Terceiro Mundo na minha cabeça. Eu, quando pequeno, conheci Graciliano Ramos e Elisabeth Bishop. Só havia gente dessa categoria. 

VEJA - Dá a impressão de que só agora se começou a falar e a escrever besteira no país... 

TOLENTINO - O besteirol, se havia, estava lá longe, nos cantos. Hoje ele está no centro. Tem razões mercadológicas, de dinheiro. Os artistas devem ganhar muito, muito dinheiro, para ir gastar em Miami. Só não é possível que esses senhores usurpem a posição do intelectual. Eles são um formigueiro com pretensão a Everest. 

VEJA - Não é bom para o país ter um intelectual na Presidência da República? 

TOLENTINO - Votei no Fernando Henrique Cardoso porque era uma oportunidade única, desde Rui Barbosa, de ter um intelectual no poder. E o que ele fez na sua primeira entrevista coletiva? Citou Machado de Assis ou Euclides da Cunha? Não. Citou o mano Caetano. Uma coisa tão espantosa quanto Rui Barbosa, se tivesse ganho a eleição, citasse Chiquinha Gonzaga. O Brasil que eu conheci, e do qual me recordo vivamente, era um país de grande vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província. Não estou sendo duro com o Brasil. Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta.